quinta-feira, 28 de setembro de 2017

ANGÚSTIA






Teu corpo jovem jaz esmaecido nos meus braços
Beijo esses olhos num carpir morno e espero
E de entre tantos laços
A morte veio depressa e o desespero
Por mais que eu a chame num bafo de angústia
O eco não me traz o seu respirar
Arquejo num soluço e um sorriso de astucia
Talvez ainda possa encontrar
E de olhos cerrados rezo e peço ao céu
Que os anjos que a levam me acolham no seu véu.



Jorge d´Alte

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

PARTIDA








Fiquei a olhar esse céu azulado
Que um risco de prata decidido cortava
Era a mágoa e esperança que iam lado a lado
Era a dor e a saudade infinita que em mim ficava.


Jorge d'Alte



quinta-feira, 21 de setembro de 2017

E DEPOIS








Os olhos viram-na seguir direita ao elevador.
Que andar atraente,
que demónio de mulher!
Fechou a porta voltando à sala,
acendeu o cigarro tossindo,
recomeçou o passeio de lado para lado.
Que porra!
Sentou-se no sofá vermelho num pensamento cor-de-rosa…
Viu-a de novo cintilante de fresca ternura,
desabrochante de candura
olhando enigmática para ele, fluindo feromonas de desejo.
Excitante ansiedade se apoderou dele,
e o monstro cresceu nele inflamado,
sondando a sua boca velada, que se abriu numa auréola de luz.
No vazio que ficou, no oco de existir,
exalou a réstia corrosiva de amor.
E depois?
Vieram lágrimas salgadas; meu estupor porque te vais…
Na névoa húmida que cegara,
os olhos viram-na seguir direita ao elevador.



Jorge d'Alte


segunda-feira, 18 de setembro de 2017

ADÃO E EVA




            



                                                       
Os ossos sacudiram a terra
despediram-se agradecidos aos vermes
mãos acariciam-nos com esperança
seria isto uma criança?
ADN envolto na gaguez da idade
batas brancas deixam as remelas do olhar
e criam!
Nasci do nada sem berço de mãe
Pergaminhos de faces caídas me osculam com o olhar…
- Eis a criança! Ufanizam.
Olho o meu horizonte sem ar
a gaiola que acolhe a humanidade é translúcida.
Afinal o sol sempre nasce!
- Tu e tu, a voz fina questiona.
Os anos milenares notam-se nas vozes roucas,
desgastadas como seixos rolados em rios secos.
- Onde estão as crianças como eu?
A vergonha cai em egoísmos arrancados…
- Não há!
Somos imortais e olvidamos esses primórdios.
- Serás tu uma criança?
- Eu sou a criança, mas não quero este mundo!
- Quero brincar, aprender e sonhar!
- Porque me criaste Pai?
ADN envolto na gaguez da idade
batas brancas recordam a vida que foram
e criam!
Nasci do nada sem berço de mãe
rugas de faces caídas me osculam com o olhar…
- Eis a criança! Ufanizam
No éden vivo virgem num corpo em mudança…
No término do dia a lua dança e recorta a sombra.
- Eu sou o homem e tu?
- Tu és lindo nesse corpo que reluz!
- Tu és linda, mas és diferente…
- Porquê esta atracção, Pai?
Nasci do nada no berço de mãe…


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

CINDERELA











…e você seria, senhora do sol e da lua,
se eu fosse rei.
…isso seria uma coisa bela!
Trevas ressoam na passadeira vermelha
enquanto se enche esse sapato com um pé
…serei a tua Cinderela!
…eis o que farei!
pele despida e crua
cai no rebolo da alvura
acende uma centelha.
…Principe o que é?
…Monta este cavalo alazão!
Desfilada agreste entre sons de estrelas
o fugaz entrechocou
o desejo mais a emoção
essa tensão que se quer dura
que rasga as entretelas.
Já passada, sem fulgor, murchou…


Jorge d'Alte




segunda-feira, 11 de setembro de 2017

PAIXÃO











Fitava as areias abertas e o penhasco distante
Dobras de dunas atrás de dobras e a planície
Quente lençol de linho encardido por vezes agitado
Sentiu o mar de dor a erguer-se – afastou o olhar
Tentou compreender a vida através dos olhos dela
Uma breve agitação da brisa tocou-lhe o rosto – o sol descera mais
As sombras estenderam-se gigantescas trazendo as estrelas e a lua
Ela jazia na rasa erva bela e nua, dourada e suada de gemidos e sussurros
Finas gotículas de som pariam da sua garganta cheia de cio
Rasgara o seu corpo momentos antes com o arder do beijo
Insuflara-lhe desejo, queimara-o por dentro, vulcão crescente de lava ardente
Caçaram naquele céu como predadores mordendo e ferrando
Arranhando arrancando pele lambendo e sugando sangue e seiva derramados…
Foram e vieram num sublime imenso como buraco negro no para lá de tudo…
Ouvira a sinceridade dela nos momentos ávidos
Virou a cabeça - olhou as sombras douradas e borburinhos de poeira
Era isto que o preocupava; poeira de paixão que o cegava
Um estremecimento percorreu-o - vinda das sombras, as sombras dela
Era mancha no seu coração sem despertar de alvorada, cinzenta e fria
Houvera fogo na alma, paixão de luxúria e mel pelo corpo
Fitava as areias abertas e o penhasco distante
Dobras de dunas atrás de dobras e a planície
Em nenhum lado vislumbrava a centelha da vida rompendo o estéril
Em nenhum momento essa centelha fora big bang que o dera a ela
Que o elevara nos céus de luz rompendo a névoa surda que estonteia e tolhe
Amor escrito com o sangue da veia corrente que enche a alma do sereno da paz
Apenas saciou o cio na lua como besta na selva


Jorge d'Alte



segunda-feira, 4 de setembro de 2017

EU E TU

                                                                   



A água corre como lágrimas
cai no abismo desconhecido como dor
salpica pingas de sentimentos que se perdem.
Corre de novo no seu destino
como eu e tu.
Ravinas cava na sua fúria efervescente,
escolhos fura com a sua vontade.
No aperto sobrevive como gota que pinga,
rastejando esfolada e dorida no meio da pedrenia,
para de novo se erguer corrida, fulgurante.
Ribeira, riacho, rio alcançando de novo esse poente,
encontrando no de lá do horizonte, esse mar,
que sou eu e tu.
Gota doce, gota salgada

Fundidas!




Jorge d'Alte