domingo, 28 de setembro de 2014




Sorri!
Lábios esticados sobre os dentes.
O táxi deixou-me à esquina,
Olhei em volta,
Recordações do tempo de miúdo choveram
Como maré enchente - Há coisas;
Coisas que nunca mudam.
Os telhados irregulares continuavam a ser
Ameias de castelos e as ruas, fendas nas muralhas
Por onde deixara extravasar a minha alma e escapar os sonhos.
Andava ainda gente nas ruas, encharcadas,
Sem pressas.
Ouviam-se gritos de miúdos por ali,
No ar cheiros a cozinhados.
A eterna taberna esquinada mal iluminada através de vidros sujos
Com as suas velhas máquinas de coloridos piscantes…
Houvera tempo, quando a noite crescia boa,
Com jovens nas esquinas trocando promessas e insultos,
Rameiras e a freguesia, vendedores de droga
Que abriam caminhos supliciantes
Para a sepultura dos viciados.                                                                
Fora feliz sem o saber, vivera com o peso dos sonhos
E partira com eles levando nas sombras o passado…
Ali já não me conheciam!
Nascera fazendo parte do cenário,
E ainda continuava a parecê-lo,
Por isso ninguém se importou…
Na loja dos rebuçados o velho sempre velho abanou a cabeça,
(o meu amigo já não respirava.                                                        
Partira num entardecer com o sol por companhia.
As cinzas ardiam nos montes e nos vales,
Lugares por onde ele andara e que eram parte da lenda e da fantasia)
Tentou falar dos velhos tempos…
Agradeci-lhe e saí.
Gritei seu nome no vento como soluço perdido de desespero
O eco esse não houve morrendo os sonhos no vazio

Olhos choraram para lá do horizonte sem fim!


Jorge d'Alte


sexta-feira, 19 de setembro de 2014







A água corre como lágrimas
cai no abismo desconhecido como dor
salpica pingas de sentimentos que se perdem.
Corre de novo no seu destino
como eu e tu.
Ravinas cava na sua fúria efervescente,
escolhos fura com a sua vontade.
No aperto sobrevive como gota que pinga,
rastejando esfolada e dorida no meio da pedrenia,
para de novo se erguer corrida, fulgurante.
ribeira, riacho, rio alcançando de novo esse poente,
encontrando no de lá do horizonte, esse mar,
que sou eu e tu.
Gota doce, gota salgada
unidas!



Jorge d'Alte



terça-feira, 16 de setembro de 2014










Pobre terra de lusitanos, hoje
Onde vivemos descorados                                            
vergonha amarga de já não termos nada,
e soberania hipotecada.
Puseram-nos nus no meio do mapa
onde as nossas peles suam a escravatura.
Afonsos nos elevaram, Henriques nos deram sonhos,
mundos nos admiraram.
E no mas?
A besta veio disfarçada
olhos tenros de ganância, no meio da boa fala.
Meteu a mão nos nossos bolsos,
tirou-nos a tanga, em pelota
pôs-nos à rasca.
Com pele de carneiro
dá -nos lobos tapa olhos
e ri-se por detrás do maléfico sorriso
da boa fera. .
Pobre terra de Lusitanos com outrora,
sem presente, nem amanhã,
definhando!












terça-feira, 9 de setembro de 2014


                                                           (tudo porque me arrancaste a pele
rasgaste a alma, levaste contigo os sonhos
deixaste-me apenas a lama e a sede)




Procuro frinchas nas paredes nuas
portas seladas deste Eu que procuro.
A minha solidão não é invenção
é escada que só desce.
Os pássaros por mim nem cantam
nem a flor murcha que reti na mão,
ficou.
São vielas escuras e escusas que me percorro
sem luzes de candeeiros; amareladas.
A noite corta-me com golpes traiçoeiros
a alma. Sufoco entre as coisas mortas.
Arrasto comigo sombras esquivas pelo chão,
brando-as como mágoas flageladas,
rumos de brisas, ventos e giros de cata-ventos
no desnorte, escrevendo no meu corpo sem pele, versos
sem rima.
Arrasto-me neste chão de choros perdidos,
procuro de borcos esse lado frígido
da cama.
Procuro na minha sede, o sabor perdido,
da água.




Jorge d'Alte








terça-feira, 2 de setembro de 2014





De nudez em riste
num corpo cárneo de pálido mate,
sem sangue corrido
icebergue erguido em roupas guardado,
bateu na porta da morte
entre frestas com giestas,
soluçantes de rosas perfumadas.
Ofuscado pelo de lá desconhecido,
rodou a chave desse céu, onde em vez de estrelas
há castigo,
fogos anunciados de infernos terríficos
e purgatórios gritantes de suplicas celestiais.
Abriu com ruído perro
na nuvem perene que esvoaçava por de baixo,
a porta de São Pedro.
Descalço palmilhou por caminhos sem chão
na macilência de existir,
esse caminho velado, apertado com travos de tenaz
e frio de alva
e agora jaz, debaixo da terra encimada
na sesta eterna, à sombra da cruz,
enterrada.



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Jorge d'Alte