domingo, 25 de fevereiro de 2018

QUENTES E BOAS








No evolório cinza
Redemoinhado, batido e fumado
apregoa em voz roufenha
a boa castanha.
As quentes e boas
estralejam no sal,
num presunçoso olor
embrulhado, em cónicas folhas
de palavras rasgadas, de jornal.

Jorge d'Alte


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

BRISA








Brisas enrolam, corpos de ciprestes
duros e secos de luas e luares.
Evolam-se aromas de suores
que queimam entranhas devastadas
correntes de lava que desmaiam
pus que purga na alma
qual ferida que se quer
que se abre salgada como onda
que se espreme em corpos tensos
e no profundo se forma
raiando nossos olhos
perdidos em florestas de pélvicos
e de sedosas peles
tão macias nos dedos rubros
que dedilham músicas de marfim
em nucas carentes que se tornam festins
de lábios que não sabem
se sorrir se oscular.
Sons que fazem sentido
quando juntos no gemido.
Leva-os a brisa a pairar
gaivotas de peles douradas
buscando no infinito
um lugar aconchegado
esperando que esse pôr finado
não leve os sonhos na brisa.

Jorge d'Alte



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

MEMÓRIAS







Galos que não acordam madrugadas
Juventude que encolhe e mirra
Ossos que choram, doem e moem
Que gemem as agruras de uma vida
Que dedilham notas como passos
Passos que envelhecem com calçadas
Onde se escreveu as memórias.


Jorge d'Alte

sábado, 17 de fevereiro de 2018

A MAGIA DE UM BEIJO







Hoje dividi lágrimas com alguém
Hoje senti cá dentro a dor que não era minha
A tristeza coroou o meu olhar
A mão que estendi ficou aquém
Não conseguia entrar nessa casa que não era minha
A porta cerrada abriu-se por fim de par em par
E com as palavras que lhe disse seu olhar se ergueu
As palavras trocadas faiscavam lá no apogeu
E aí viraram serenas em tons de luzidia  esperança
A raiva e a desilusão que a contaminava
virou paz nessa triste e cortante  lembrança
Deixei-lhe na alma uma nova cor que a animava
O choro encostou a sua face ao meu ombro
Os soluços sacudiam-na como escombro
Dessa magoa desiludida e cheia de dor
mas com a minha magia lhe deixei
Uma réstia do meu amor
No beijo de amizade que com ela partilhei.


jorge d'Alte







quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Á NOITE NA CAMA











Á noite na cama
olhando no tecto
esse olhar que desenho
como vírus infecto
minando-me a alma.
Franzi o cenho!
Olho meu lado
onde mora a saudade
apalpo esse frio lugar
cheio da realidade
vazio de abandonado.
Para onde foste morar?
E a pergunta rói
num corpo que padece
inconformado retirei
essa coisa que dói
e como prece
Safo o rosto que desenhei!


Jorge d'Alte

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

PAIXÃO






Fitava as areias abertas e o penhasco distante
Dobras de dunas atrás de dobras e a planície
Quente lençol de linho encardido por vezes agitado
Sentiu o mar de dor a erguer-se – afastou o olhar
Tentou compreender a vida através dos olhos dela
Uma breve agitação da brisa tocou-lhe o rosto – o sol descera mais
As sombras estenderam-se gigantescas trazendo as estrelas e a lua
Ela jazia na rasa erva bela e nua, dourada e suada de gemidos e sussurros
Finas gotículas de som pariam da sua garganta cheia de cio
Rasgara o seu corpo momentos antes com o arder do beijo
Insuflara-lhe desejo, queimara-o por dentro, vulcão crescente de lava ardente
Caçaram naquele céu como predadores mordendo e ferrando
Arranhando arrancando pele lambendo e sugando sangue e seiva derramados…
Foram e vieram num sublime imenso como buraco negro no para lá de tudo…
Ouvira a sinceridade dela nos momentos ávidos
Virou a cabeça - olhou as sombras douradas e borburinhos de poeira
Era isto que o preocupava; poeira de paixão que o cegava
Um estremecimento percorreu-o - vinda das sombras, as sombras dela
Era mancha no seu coração sem despertar de alvorada, cinzenta e fria
Houvera fogo na alma, paixão de luxúria e mel pelo corpo
Fitava as areias abertas e o penhasco distante
Dobras de dunas atrás de dobras e a planície
Em nenhum lado vislumbrava a centelha da vida rompendo o estéril
Em nenhum momento essa centelha fora big bang que o dera a ela
Que o elevara nos céus de luz rompendo a névoa surda que estonteia e tolhe
Amor escrito com o sangue da veia corrente que enche a alma do sereno da paz

Apenas saciou o cio na lua como besta na selvagem.





Jorge d'Alte

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

TUDO PODERIA TER SIDO MAS NÃO FOI






Sentiu então uma brisa fluir da areia quente
Ouviu a água gorgolejar mais abaixo quando pousou a mochila no chão
Olhou para cima enquadrado entre as estrelas parcas
Como pontas luminosas de armas apontadas para ele
Estendeu a mão perdida como se agarrasse as sombras escorridas da esperança
Um meteoro incendido riscou no horizonte como premonição
Pedras tumulares errantes luminosas a fazerem coalhar o medo no sangue
Sentiu o arrepio e pensou – quanta areia cabe numa mão?
Tudo se esvai como areia pelos dedos da vida
Engoliu com a garganta seca. Sentiu a areia raspar-lhe doce a mão do desespero
Sondou a escuridão mais distante com os seus sentidos
Aves? Uma queda de areia! Criaturas no meio dela mas não Tu
A luz das estrelas afastava apenas o suficiente da noite bela
Cada sombra era uma ameaça. Manchas de negrume que amordaçava
Uma lembrança cega -pensou! Sons como alcateias de gritos na alma
 A minha dor é mais pesada do que as areias dos mares
Por isso aqui estou no momento só sofrendo a agonia como Deus sofreu
Este mundo esvaziou-me de tudo – a vida de amanhã
Sentiu a areia prender-lhe os pés como correntes chocalhando quando descia
O cadafalso! Olhou para o norte por cima das rochas desbotadas de sombrios
A longa vergastada veio com o frio trepando pelas pernas cheias de água
A mochila escorregou de periclitante equilíbrio rolando para ele como para o agarrar
Mas a voz de sempre não veio encher-lhe as veias de seiva ardente
Nem os ouvidos de sussurros mordentes ou olhares de cios
Deixou palavras desenhadas trémulas no papel amarrotado como lágrimas de dor aberta
Deu um passo longo sem areia nem choros de estrelas nem cânticos de sereias
A noite cega afogava-lhe as lágrimas salgadas devastadas,
Como a água que o empurrava para areia a cada vaga; gemia e cantava
Tentando demovê-lo da fúria amarga que o consumia 
Desespero como chama negra e opaca trespassando-o como espada sem se ver
Enlouquecendo-o
Ouviu o silvo por cima quebrando na onda como canção de rouxinol em voz amada – sonho?
Sorriu conformado a água que o afogava em cores tétricas cheias de morte
A voz amada que em desespero o chamava rasgando trevas e banho de luar
Chegara atrasada - soou como borbulhar de ar que lhe comia os pulmões
O sorriso deslizou na sua face dorida apagando-se – Tudo poderia ter sido mas não foi
Por isso morria no eco que o gritava perdidamente no alto da crista
Enquanto o mundo que fora se estilhaçava e o absorvia
Comendo-lhe o sonho e o sorriso.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

PORQUE MORRESTE MEU SONHO







As peles enroladas como lençóis de seda suada
Gemiam como ondas sufragadas na paixão.
A cara não tinha corpo, como o corpo não tinha alma
Mas o coração era fogo aqui mesmo devorando teu corpo de lava
Derreti todos os sentires e moldei-os com lábios e seios
O abismo abriu-se tragando o tutano entre púbicos enlaçados
Caí!
Voei!
Asas translúcidas e coloridas como bolas de sabão....
Tentando agarrar o sonho fugidio com o sabugo das unhas
Abri feridas rasgando peles como trapos velhos traçando rasgos vermelhos
Senti esse sangue quente gelar o meu peito quando atingi
Nunca soube porque morreste sonho meu quando o céu estava mesmo ali
Quando tudo o que sonhei não aconteceu
E de olhos abertos me perdi de novo
Mordendo a madrugada com a raiva engasgada
Molhando meus olhos com gotas frígidas de orvalhada
Cavando nas faces doridas ravinas e abismos de desespero
Porque o sono trouxera o sonho e o sonho fora meu e só meu
Me dera de mão beijada o perfume desses anos adolescentes
Esses sorrisos macabros e perdidos que agora me doem
Essas gargalhadas de outrora frescas que se esfrangalham na memória
Esse calor perdido no gelo da vanglória

Que foi amar por amor o amor de amar!


Jorge d'Alte






sábado, 3 de fevereiro de 2018

MUNDO INFETADO






Quando com passos pequenos
E as árvores de natal crescendo altas sobre mim
Ficava ali sentado horas a fio
Mergulhado nas cores vivas que caiam desse céu fabricado
Meus olhos sonhavam abertos nas estrelas luzentes sempre belas
Sonhos desenhados na memória
E meus lábios sorriam os horizontes de fortuna que se abriam
Em caminhos de luz alva como gritos

Guiando-me neste mundo insano pueril e infectado.



Jorge d'Alte