segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O MEU NATAL

Quando era miúdo o Natal trazia-me a árvore
As luzes faziam-na crescer nas pupilas dos meus olhos
e ficava ali sentado mirando o presépio 
alcandorado em falésias inventadas. 
As figuras gélidas cruzavam ruas verdejantes de fofura, sem gestos
mas a adoração caia sempre no menino em palhas deitado.
Como magia cresciam presentes coloridos com o nome de todos
e na meia dependurada eu sabia que  estava o destino.
Meditava e ainda medito
no significado de tudo isto
nas emoções que sempre sinto
naqueles que já partiram juntando-os como dor no coração.
Algumas vezes a dor foi mais forte
mas as lágrimas lavaram a alma e repuseram essa calma
que hoje nos anos muitos divido com filhos e netos e alguns amigos.


Jorge d'Alte

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

MELANCOLIA

Que saudades tenho
de correr ruas de paralelo
com o arco e a gancheta
de jogar á espada e ao berlinde
de ir tomar banho ao douro
de vermos as meninas na macaca
saltando ás cordas e ao elástico
das partidas que lhes pregávamos
na noite pingada como gatos pardos
das mensagens atiradas á janela delas
Que saudades da primeira mão dada
na escola cantando e á bola
Do primeiro olhar e do sorriso dela
o primeiro beijo e do leque de sensações que abriu
os primeiros sonhos de adolescentes
ir ver os "tubarões" ao rio nas noites de luar e sem luar
Olho as crianças de agora 
brincando. Franzo o senho
outros tempos que lhes vão trazer saudades um dia
num dia melancólico como este.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

CARÍCIAS DO DESEJO

Nasceu uma lua ontem
inda as sombras não dançavam
trazia uma gola de alvo luar
e um vestido que no ar se esfumava 
mas não tinha o teu sorriso
nem o teu cheirar
era apenas mais uma noite 
uma noite de luar.
Encontrei a tristeza e a saudade
e enleei-me nas lágrimas por chorar
fui sentar-me no penedo virado ao norte
perscrutando o outro lado desse mar
esperando que o vento me trouxesse
as carícias do meu desejo.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

MEU AMOR POR TI

No centro do silêncio 
o ruído esmorece de morte
escuto-o com o coração e potencio
a amarga dor consorte
que me fere a alma
que nunca se acalma.
Os olhos riem-se em desventuras
e as lágrimas falam sem voz
talvez por serem imaturas
cantando apenas a dor atroz
que  queima a alma
que nunca se acalma
Silêncio torturante esmaecido
grita na noite meio escondido
O meu amor por ti
o que eu amei em ti
tudo foi perdido
deixando-me prostrado na berma, estarrecido.


Jorge d'Alte

SONHO ESTRANHO

O outono dos mil tons, das folhas voando
faz crescer o inverno dos frios desgarrados
das tormentas chuvosas e da alvura da neve.
A lareira cheia de lume aquece os corpos
deixando-os sonolentos, sonhando.
Ela estava ali mesmo á mão, penteando-se
depois do sabão. Pele alucinada pelo perfume
tragava as palavras que não saíam dos seus lábios
de rosa. Ela era eu no espelho e eu amava-a 
como a mim mesmo com vontade indomável de a beijar.
O sonho crescia no meio do vapor da água quente
fugidio como sonhos, inalcançáveis 
como a água que por mim escorria e pingava
As lágrimas saltaram quando tu vieste da névoa
Sebastião da minha vida.
Sorrias tu, sorria eu
e no teu sorriso eu te beijei.
O sonho acabara quando me levaste ao colo
me depositas-te no chão e nós nos amamos
junto á lareira cheia de calor, no meio da neve gélida
deixando os tons de inverno e as folhas para trás.


Jorge d'Alte

sábado, 13 de novembro de 2021

O TEMPO

 


O tempo está sempre em expansão
Se o tempo fosse retrógrado
morreríamos 
morreríamos no momento de nascer.


Jorge d'Alte

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O FIM DOS TEMPOS

Olhei este céu
A chuva já não cai
A lua não se vê
A neve já não é branca
antes uma mancha pardacenta
roendo as montanhas.
O frio come-nos os ossos
queimando-nos como bifes
Tudo é silêncio porque o vento já não brisa
apenas as memória do que antes era 
do que sempre fora e já não é.
Olhei este céu e não vejo as estrelas parindo
como não vejo os arco-íris
muito menos o pote com moedas de ouro.
Para que serviria?
Digam-me lá?
Se já não há cidades nem mercados
nem lares nem famílias
apenas nos resta esgravatar a terra 
e comer os bichos como galináceos
Lembro-me dos ouvidos moucos e dos olhos cegos
que na ganância dos dinheiros e do poder nos lixaram.
E foi assim que tudo terminou
a Terra enraivecida purgou
escureceu
ferveu lavas
e a água mingou
as guerras vieram prazenteiras
cheias de morte
ao deus dará
deixando-nos neste paraíso outrora azul
lixados entregues á nossa sorte.


Jorge d'Alte










quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A ÚLTIMA FLORESTA

Sou a árvore mais antiga  
o rei da floresta
Do meu alto canto a cantiga
ao sol que me cresta.
Vivi no limbo da Terra
crescendo, amando e sentindo
e neste capítulo que me encerra
sinto a minha parca seiva diluindo.
Olho os meus vizinhos os meus queridos filhos
todos mortos
todos tortos 
maltrapilhos.
Minhas raízes outrora fortes
já não mamam no humos e no subsolo
tenho o corpo rachado em mil cortes
dói e gemo conformado como um tolo
Já não tenho resinas nem orvalhos para chorar
nem as vestes de folhagem
Já não sinto o meu adejar
nem os olores na aragem.
Onde estão a mil vozes de pássaros cantando
debicando meu tronco com agrado
num frenesim batendo asas bailando
num festim de larvas em que me degrado.
Hoje será o último pôr do sol que vejo
o último céu que arde sem nuvens molhadas
Sem nova madrugada que invejo
aperto minha seiva no meu colo e bebo-as amortalhadas.



Jorge d'Alte












terça-feira, 9 de novembro de 2021

HUMANIDADE

No dia em que a terra parou
o sol murchou
o vento secou
a água não correu
a humanidade quase pereceu.
Tu e Eu
amando-nos nas sombras sombrias
em ervas macias
num ritual de profecias
e a criança nasceu
chorou
ecoando onde o eco passou
acordando o vento que renasceu
moveu a água da terra até ao céu
e uma e uma nasceram
copularam
cresceram
sobreviveram.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

AMOR CRU

Buliste-te palpitante
com as trevas de meia luz.
Procuravas a sombra da boca
para nela matares o teu desejo.
Amparei teu dorso sobre o meu 
senti o húmido seio tocando o meu peito, roçagando
tuas mãos tateando as formas machas de singela ternura
Rolamo-nos como pedra despenhando-se lá do alto
Falamos palavras cheias de tudo e outras de nada
Fomos silêncio, depois a tormenta.
Fomos amor na noite crua.
Não havia lua nesse dia apenas os corpos e as vontades.


Jorge d'Alte

terça-feira, 2 de novembro de 2021

FINADOS

Não me levem o silêncio de choros mansos
pois nele renascem as vozes que amamos
As flores ardem nas mãos da saudade
no beijo surdo que beijamos na ilusão
São muitas as lágrimas do coração
a tristeza que nos amarga
e na oração que recito
vão todos aqueles que amei e me amaram.


Jorge d'Alte