terça-feira, 30 de junho de 2020

BEIJO




Hoje dividi lágrimas com alguém.
Hoje senti cá dentro a dor que não era minha
A tristeza coroou o meu olhar
A mão que estendi ficou aquém
Não conseguia entrar nessa casa que não era minha
A porta cerrada abriu-se por fim de par em par
E com as palavras que lhe ofereci seu olhar se ergueu
As palavras trocadas faiscavam lá no apogeu 
Aí viraram serenas em tons de luzidia  esperança
A raiva e a desilusão que a contaminava
Virou paz nessa triste e cortante  lembrança
Deixei-lhe na alma uma nova cor que a animava
O choro encostou a sua face ao meu ombro
Os soluços sacudiam-na como escombro
Dessa magoa desiludida e cheia de dor
Mas com a minha magia lhe deixei
Uma réstia do meu amor
No beijo amigo que com ela partilhei.


Jorge d'Alte





domingo, 28 de junho de 2020

SEM IMAGINAÇÃO




Melodia de borboletas,
Melopeia submissa
Às palavras.
Letras suspensas e encadeadas,
Vírgulas, pontos e tantas tretas,
Asas de inspirações, cediças
Quebra lavras
De imaginações cegas, desgastadas.

(Imagino-me preso na luz em desespero, com vazio de palavras,
voando cego como as borboletas, em letras
tristes e abandonadas)



Jorge d'Alte

domingo, 21 de junho de 2020

NÃO



Pérolas caíam dos teus olhos!
Não era adeus, não era saudade, não era dor, nem tristeza, mágoa, angustia, não...
Era apenas a felicidade a falar!

Jorge d'Alte


segunda-feira, 15 de junho de 2020

ESTUDANTE



Sou gente pequena
De sacola às costas
Levo dentro lápis
Livros e muitos sonhos.
A letra pequena escrevo
Números que fazem contas
E ao lado sentado
Fiz o meu primeiro amigo.
Os meus olhos maiores
Que as letras que escrevo agora
Abrem-me novos horizontes
Abrem-me novas sensações
E o meu coração se esboroa
Já não me pertence
Agora é feito de amor
É feito de ansiedade
E quando estou longe já é saudade.
Três anos correm depressa
A universidade abre-me essas portas
Agora o jogo é outro
É o meu futuro que se escreve
Em letras cada vez maiores
Porque agora aprendi
Que o saber é infinito
E na minha mente procuro
O meu rumo, o meu ritmo
Pois sem dar conta cresci
E de estudante aprendiz
Passei a aprendiz de sábio.
Estudo na crua vida
Momentos que antes não vivi
Tempos que se foram nessa brisa
E que agora analiso na alma.
Sorrio para a minha vida
Sinto que sou estudante
Pois esta é feita de enigmas
Mistérios para desvendar
E para os vencer há que voltar a estudar.

Jorge d'alte

















































SILÊNCIO




Os nervos
Os ouvidos
Os olhos
São agudos receptivos
Sobre a pressão do silêncio.
Tudo parece
Um pouco maior
Anguloso
Do que a realidade.
Tudo desde o pousar dos pés
Nos frios azulejos
O roçagar da manga
As palmeiras do jardim
Parecia ter uma claridade sem som
Que tremia como nota de marfim.

Jorge d'Alte



MOCETÃO



Mocetão sentado
De cabelo ao lado no rosto oval de leitosa pele
Os óculos de grandes
Enchiam seus olhos presos na inspiração
As orelhas finas de recorte fortuito brilhavam na pérola de brinco
Lábios trancavam quiçá
As palavras que desenhava dentro da alma
Dedos brincavam no carvão aguçado
Erguendo traços de imaginação
E a obra crescia entre sombras e luz de dia
A cabeça pendente deixava cair cabelos negros como chuva
Que sombreavam entre cinzas e negros
Os pés grandes e calmos cruzavam-se num abraço
Como abraçar era a férrea vontade ilustrada
Na bela e esbelta sempre menina esboçada.


Jorge d'Alte



sexta-feira, 12 de junho de 2020

CRIANÇAS DE SRBRENICA




Tristes são as manhãs de hoje                                                        
Em que o canto das aves                                                                  
Dá lugar ao suspirar moribundo
De tantas crianças inocentes deste mundo.
Ouvem-se gargalhadas caindo em novelos
Sobre níveos ombros e negros cabelos.
Brinca-se na mira com a criança que foge
Abate-se seu peito em nome de um mundo em que não cabe.
Fresco orvalho da manhã caindo
Pérolas lindas de um brilhante alvor
juntam-se aos gritos das mães e da dor.
Cobre-se do vermelho que se vai esvaindo
Corpos mornos caídos outrora viçosos
Agora gelados a apodrecer.
Quem eram estes moços?
Quem os amara?
Tanta dor a doer
Quando a fumaça das armas se dissipara.
Era um dia ameno de risonhas cores e o céu sereno
Quando um poder louco se abateu 
Pleno de medo raiva e vontade.
Resta chorar, resta a saudade
E perguntar porque aconteceu?
Era um dia ameno
De risonhas cores e céu sereno
Quando as crianças então morreram
Plenas de vida sonhos e vontades
Resta só dor, restam saudades
E perguntar, porque morreram?


Jorge d'Alte


SÓ TENHO UM SONHO



Só tenho um sonho quando os olhos se fecham!

" Do meio do fogo a dor perfura como a bomba que cai ali perto.
As lágrimas secam de não chorar como o choque que tudo estremece e leva
A parede ténue à qual me agarro é como trapo que ferro para não gritar
Esboroando-se na berma no auge da insanidade.
Percorro caminhos para onde a Fé está
Esse local mágico onde não tenho mais de sonhar
Vivo a água revolta que se espuma como bruma  em escolhos assertivos
Escuto os gritos, as vozes molhadas e sinto a mão que me eleva e me pousa na terra seca
Sinto no ouvido a voz estranha que me agarra e leva
Saboreio o líquido quente que me aquece diferente
A luta que labuta pela vida de Fé perdura no calcorrear de terrenos pérfidos
A luz que vira ao fundo do túnel turva-se no ódio das raças que me despejam
Sou detrito infeto que ninguém quer e as pernas doem de tanto moerem o sofrimento.
E as chagas abertas que não posso fechar trazem a noite perene de longo luar
Já não sonho!
Já não tenho sonhos!
Os sonhos mirram nos olhos abertos de noite e dia!
Não tenho sonhos no amanhã nem no depois
Pois os olhos fecham-se na fome de vida
O orvalho que umedece  a carne ressequida pinga na urze que sorri colorida.




Jorge d'Alte

INCOMPREENSÂO


                       
 A árvore sob o pano
Estendia seus tentáculos.
Os olhos numa ilusão óptica
Viam o vulto sem alma
Tentáculos vergados
Que se escapavam e floresciam
Um rosto sem pormenor
Sem qualquer traço de ter mudado.
Não tinha!
Sentia rebolar-se no gozo
Atirou a gargalhada ao ar.
Todavia havia qualquer coisa mais
Um novo motivo de satisfação
Que ainda não compreendia.
Viram-no parar do lado de fora
Olhando para cima e para baixo
Como que para decidir em que direção.

(Teria um encontro marcado?)

Jorge d'Alte


quinta-feira, 11 de junho de 2020

PAI



As montanhas irritadas de tantas tempestades, iam chorando
Caíram as preciosas em neblinas gélidas, do pavor
Um olhar pequenino mirava encostas rijas e empedernidas.
Fora assim a imagem do seu pai, que um dia traçando
Desenhara-se, em papéis vagos na sua mente, com fervor.
Tristezas e saudades, imaginavam-se como cruciantes feridas.

28/7/19

Jorge d'Alte

RATINHO




A linha cinzenta da alvorada era mais brilhante
Marcava o meio do outono que viera lesto
Folhas mortas varridas pelo vento juncavam jardins cheios de crianças e ele
Uma ave gorjeou na árvore muito acima delas e dele
Levantou voo amuada nos olhos celestes dele correndo com a brisa que esvoaçava cabelos de fogo.
Levara o pensamento dele naquelas asas negras de melro desenhando em cada batida um sonho novo para ele.
Ele era como sempre fora a timidez de pessoa em faces rubras com olhos submissos
Um ratinho perdido roendo as sobras da alegria dos outros vivendo nos sonhos como salvador de mundos desmaiados.
Aí era cavaleiro destemido e orgulhoso – Podia sê-lo pois não havia rostos -.
As asas de mariposa cresceram em tons de prata e voava nas nuvens de cima
Aí os cabelos de fogo fundiam-se belos com os raios de sol que escorregavam
Seu rosto morria para ganhar outra vida olvidada no antes que ele era
O ratinho era ave de rapina caçando nos céus lendários
Monstros imaginários em castelos nublados na mente dele
Ora alvos ou cinzentos ora negros como a morte em sua alma faminta do despertar.
No arco-íris dele encontrou o sorriso como espada que empunhou
Olhava fora de sonhos sua Dulcineia de olhos doces de mel
Nos olhos de céus azuis, voava agora o dela, fundindo-se
Abraçados num jardim cheio de crianças e ele e ela.


Jorge d'Alte


DAMA




 Dama de róseos mates
De orvalhadas caídas
No desnuar das sombras.
Grava nos sonhos escarnidos
O nome que não tens
Que um dia no vislumbre
Do deslumbre,
Por mim inventei!

(Toques macios na crua carne
Frígida de perenes gelos )

Jorge d'Alte


VELHICE




Mirrado e seco
Como corpo pregado
Numa qualquer cruz
De pés de barro.
Senta-se na soleira
Sente-se num beco
Como troco fiado
Como ácido pus.
E como um escarro que se deita
É um velho sem eira
Esperando sua sorte
Sentado na soleira
Dos lábios da morte.

Jorge d'Alte


DEUSES




Há Deuses nos céus
Eternidades cruas sem rosto
Paraísos condôminos
Como obras de sete dias.
Anjos que perderam asas no vermelho
Anjos que são luz branca, que não se vê
Guardas que viram a cara
Da destruição eivada de negro.

Peões movidos por fios
Somos nós!
Risos parvos de imbecilidade
Movidos a belo prazer
Por uma qualquer divindade.
Choros de não sei de quê
Fés espalhadas em esperanças
Preces ajoelhadas para quem?
Chamam-lhe Religiões!
Arquitectas de um inferno
Debruado como éden.
Há Deuses nos céus
Pés de barro do Morfeu
Ao sétimo dia descansado.


Jorge d'Alte


FIM




Não sei como aconteceu
Cresceram-me asas de traça
Bateram até à lua
Mas estou aos pés de Deus.

Jorge d'Alte


HORROR





O horror abriu-se numa miríade de corolas e pétalas, sem sentido.
Crestou o olhar selando-o, como lacre, morrendo junto aos lábios.
A mente retraiu-se num choro, mergulhando dentro.
Cremou os sentidos deixando ao Deus dará, o pavor.
No solo entre pedras tostadas e ervas crestadas
Um corpo pequenino abraçando.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Lívido Silêncio



  
Lá bem no auge do longe
Labaredas comiam devoradoras
Belos montes e verdejantes vales…

No momento perto
Cristas vermelhas como irados galos
Altearam, derretendo suplicantes vozes, almas e carnes
Deixando como despojo nas cinzas negras
Negros ossos no lívido silêncio.




PINTADOS DE CARVÃO




 Lá vêem eles todos sorridentes.
Afinal a culpa era dos outros.
Os programas inventados deles - não eram para funcionar
- Isso, todos sabiam! -
Por isso o mar vermelho crescera engordando na matança
Retirando pela morte, sonhos velhos e novos
 - O pão nosso de cada dia -
E ali estavam eles corroídos e pintados de carvão
Na estrada sem fim, abraçados e retorcidos pelo amor em agonia
Quadro macabro em tons de negro e cinza.


Jorge d'Alte


segunda-feira, 8 de junho de 2020

NOSTALGIA



A roupa desfolhando-se no luar morno de verão.
A carne crua retesada nos arrepios submissos da candura,
As mãos naufragas vasculhando esse mar ondulado de pele,
As bocas murmurando nas sombras, odes que a brisa afagava,
Lábios que como crias sedentas procuravam as mamas do beijo,
O encontro ávido do primeiro beijo,
O emergir radiante da virgem que foste,
O deleite que se sente na primeira vez,
O abraço que se segue no momento em que se sente
A verdade pura da palavra amar.

Jorge d'Alte


Está?


Despejou o copo,
Enlaçou-me o pescoço.
- Faça o sacrifício por mim!
Aconchegou-se. 
Era toda ela uma seda,
Toda doces perfumes, toda onda de calor.
A sua mão segurou a minha e comprimiu-a
contra os seios.
Lá fora a chuva batia no vidro esborrachando-a num espirro,
empurrada pelo vento sibilante como cobra venenosa.
A sua boca vermelha e húmida aproximou-se da minha…
Tentadora, fremente em dentes alvos.
O telemóvel tocou, quebrando.
O momento caíra a nossos pés em cacos de desfeito encanto.
- Maldita monstruosidade!
Gritante necessidade com voz insistente, que exige resposta…

- Está?

Jorge d'Alte

sábado, 6 de junho de 2020

Interrogação




Um campo flamejante de ondulantes papoilas,
sem fim.
O universo negro como a solidão, range de nascimentos
infinitos.
A mente criativa e ufana, sonha com o poder do cosmos,
Humanos!
O sonho criou tudo isto; o amor e o ódio, o bem e o mal, a alegria e a dor
Deus!
Então, porquê a morte?
Porque há a Vida?


Jorge d'Alte

6/06/20




terça-feira, 2 de junho de 2020






Virus


Olhos escusos, agros, desmaiam na incerteza que paira.
Procuro esse Adamastor nos virares de esquinas.
Ruge ventos, roendo ruas vazias onde ninguém é rei.
Caem secas essas lágrimas, despojadas da cor da sua vida.
A lei baralhou-a execrável, cruciando-a na barbárie do terror assumido.
Olhares perduram em janelas erguidas de cortinas fartas de rostos.
Joelhos caem no chão puro e arrastam-se na míngua por ar,
E as veias incham na boca aberta, num corpo sacudido.
Tosse vermelho, no apego á vida que escorre esmaiada.
A máquina veio cheia de tubos inseridos, num arrepio de desdita.
Os olhos desgastam-se na visão que partiu mesmo na ponta do apetecível.
O fim está ali esticado no vai-vem da luz modorra da morte,
Como mãos erguidas numa prece que não se quer vã.
A luta não tinha terminado, pois a boca sorriu no esgar da vontade
O coração empunhou a sua espada, e no retalhar, o sorriso voltou.

Jorge d'alte

2/06/20