terça-feira, 19 de maio de 2015

ANGÚSTIA

                                                                       




Troteava caminhos corriqueiros…
Acompanhava-me o ruído tecnológico.
Caía na dúvida que crescia
como o sol no dia: estava tramado!
O cinzento que via, não era o céu mas sim o inferno,
de subir escadas; até onde?
No cimo queria ter visto o vale sereno de verdura viva, de flores jovens:
Papoilas e malmequeres para desfolhar.
No cadeirio perfilado contra alvas paredes
como condenados ao fuzile, as rugas idosas:
Tossiam em ranhos espessos, de dentes cariados e sorrisos débeis.
Placas dentais caiam no abrir das bocas disformes;
num soneiro de espera, entontecido e cambaleante das cabeças.
O sorriso atentivo traduziu aos meus ouvidos um cantar nostálgico implícito.
A alegria não morava ali nem a morte por lá passava;
Tinham-se divorciado ali mesmo pela mão de Deus partilhando:
Tu e Tu, aquele não!
Seria a roleta russa de que tanto ouvira falar?
Que porra! Devia ter prestado mais atenção nas aulas meninas da catequese!
Encolhi-me como cão que não sabe ao que vai,
que escuta grotescas palavras que são farrapos de sons e abana rabos.
E depois?
As batas são brancas e azuis, monossilábicas em espeta agulhas, de luzes roxas quando as queria amarelas ou brancas,
de ecrãs onde se pintam ossos descarnados, ou bojudas partes de vísceras
ou sacode cérebros  encaixados em crânios duros:
Porque não se vê a alma ou o espírito?
Alguém os terá escamoteado como em contas do estado?
Queria tanto vê-las!
As palavras ocorrem lá em assaltos, mais depressa que a vida; e já está!
A face amarelece noutra doença, com a soma dos números,
apresentada com toda a pompa, como secreto anuncio de telenovela:
Não quer entrar o cartão na ranhura em dedos trémulos…
Lá se vai o comer do dia a dia!
Por fim a mostrenga maquina vomita papéis que guardo no bolso roto
que como esgoto tudo nos leva: e agora?
Desço como rato escapando às dentuças de um gato esfaimado
e solto um suspiro: É alívio!
A cacafonia agasalha-me indiferente, como encolher de ombros,
com vozes que se misturam como aguarelas em lamúrias,
onde os semáforos se apagaram de repente: será assim o meu destino?
Bah…uma luz que se apaga e é substituída por outra da nova geração?
Troteio caminhos corriqueiros ao sabor do vento
com pequenos senãos de permeio, até estes acabarem no eco que não vêm!


Jorge d'Alte                 

terça-feira, 12 de maio de 2015

PAIXÃO








Rodas me levam pelo deserto
chamas ardem em poços no horizonte
mas tudo aquilo que eu quero perto
não brota dessa fonte.

Doces calores e suores
dilaceram aurículas como tumores
Os ventrículos como correntes
levam sonhos às nossas mentes.

Mas onde estão?
quero senti-los, mergulhando na minha paixão


Jorge d'Alte


quinta-feira, 7 de maio de 2015










Ruas traçadas no casario
deslizavam em ladeiras de pedras
desgastadas e cinzentas

A rua perfeita, sinuosa como teu corpo
levava-te apetitosa ao encontro.
O campanário torto na sombra disforme,
agigantava-se no chão em sinos badalados
chamando; 
como ovelhas e cabrinhas correndo
para o pasto, lá iam!
O encontro ficava ali entre as meias badaladas
e a bênção.
Os pés apertados em sapatos de verniz saltitavam de dor
fazendo abanar a saia rodada crivada de flores.
A esquina olhava-te pelos meus olhos de garoto.
Alisei o cabelo penteado para trás
pus uma mão no bolso dos calções
e a outra apertada atrás das costas
segurando.
As minhas sandálias desgastadas
levaram-me até ti.
O saltitar parou-te!
Um sorriso iluminou-te!
O meu envergonhou: “queres casar comigo?”
Estendi o ramo de papoilas e malmequeres
murchos da espera e do calor.
Demos as mãos!
Entrelaçamos os sorrisos com ternura nos olhos doces....

Entramos na igreja unidos,esquecidos de tudo e de todos!

sábado, 2 de maio de 2015

GÉNESE

                                                             


O arco que fazia a minha vontade,
tenso esticava como mola puxada.
O olhar em flecha fixava o alvo!
Olhos fixos na miragem
de vapores não vistos.
A voz do vento não ajudava!
Criara o zunido como vergastada,
causando um prurido por dentro da barriga,
pecha da alma como pederneira.
Incendida a flama tomou-me como tocha incauta,
que derreteu a cera que me escondia,
deixando-me ali nu,
perante ti.

( O olhar alarmara o seu rosto
  afogueando as suas faces trigueiras
  Seu cabelo era fogo esvoaçando…
  Era ruivo e encaracolado e batia-lhe na cara
  sardando-a.
  Gravitou atraída numa órbita curta
  tornando o seu núcleo escaldante como lava.
  Mnemónica alarmou-se!
  Como ontogénese um sentir fecundou,
  sentiu a paráfrase do seu intimo,
  semente de sentimento que sativou

  e que saciou no cumulo do beijo)


Jorge d'Alte