sábado, 30 de janeiro de 2021

MIÚDO DAS RUAS

 


Miúdo destas  ruas

Descalços ao sabor

Jogam nas calçadas

Suas vidas sem sonhos


Suas almas são nuas

Espelho que requer amor

E sós e abandonadas

Olham-nos tristonhos


Seu corpo feito de fome

Está na dor embrulhado

Suas forças são vontade

Retiradas da alma que sofre


Um dia terão como nome

O aprender que sábio os fez

E nas ruas desta cidade

Miúdo cresceu, homem se fez



Jorge d'Alte





 

 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A DOR

 



A dor estava ali saltitante!

Espetava ali, espetava acolá

O seu sorriso era esfuziante.

Encontrara morada mesmo lá

no coração feito em cacos

Como é bom este saborear!

Sorver o pus em simples nacos

e cada vez mais fundo retalhar

Ó delicias nunca encontradas!

Clama pela tristeza sua amiga

Chama pela saudade abraçadas

Juntam-se assim para uma briga

Cada uma tenta sem dó ganhar

A tristeza lança a lágrima agora

A saudade insinua-se a latejar

Mas a dor ri-se delas e na hora

Lança mais um pico e espeta


Agora é a alma que sente e geme

E a tristeza destra lança a sua peta

Tentando pôr-se na frente ao leme

A saudade retalia com a distancia

Agora a angustia foi chamada

Mas a dor em última instancia

já não espeta, é ferida inflamada

Infetando o sangue com mais dor

Roendo o louco desejo e a emoção

Rompendo de vez a réstia do amor

Deixando um ser sem alma e coração.



Jorge d'Alte










 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

ALGUÉM

 


O sol longo derretia-se  
Em águas frias de ravinosas vagas.
Num galho quebrado pelo tempo
Alguém se sentara olhando.


Jorge d'Alte

HOJE



 Hoje vi-te tal como és!

um ser ínfimo que se julga um deus
O teu ódio iluminou-te de lés a lés
matando esse amor nos olhos teus

Tua boca proferiu como terramoto
palavras doentias que crestaram
essa alma que não sente e só no remoto
arde tão pequena que a tragaram

E agora só, grita espumando
que não dissera o que disseram
que era um coração que mesmo odiando
amava-me tanto, tanto e no final eram
palavras e palavras apenas, sem sentido
que tinham magoado aguilhoado e ferido
este meu coração que em amor se entregara
Palavras duras que meu peito rasgara
Lançando-me num abismo tão profundo
Onde o negro breu sorve o meu mundo


Jorge d’Alte



terça-feira, 26 de janeiro de 2021

FRONDOSO SALGUEIRO

 Ao pé de um frondoso salgueiro

o meu coração em vão se esvai

triste desdita, ai sina  minha

pois tudo num dia se esfumara


O seu rosto lindo e trigueiro

olha-me em ternura que se vai

mas a alma doce que ela tinha

era amor em flor que me amara


Quanto tempo por aqui fiquei?

quantas lágrimas ali ficaram

humedecendo nesse solo árido

sonhos e sonhos qu'eu sonhara


Ai quantos anos triste voltei

quantos soluços se soltaram

quisera eu ter também morrido

ó dia maldito que me apunhalara


Tua ramagem outrora de menina

é agora copa fora de alcance

cresceste na vida como semente

e agora voas como ave errante


Tuas raízes cavaram uma mina

onde guardaste sonhos sem chance

toda uma amargura que se sente

neste local onde amor foi garante.

Jorge d'Alte 10.06.10





domingo, 24 de janeiro de 2021

UM AMOR EXTRAORDINÁRIO

 



Um amor extraordinário
Tinham dito por ali
De olhares tristes cabisbaixos
Enquanto o dia se  esconsava
Num mar de papoilas
Recordavam-se as pessoas 
Nesse ópio avermelhado.

Fora num dia parecido
Logo de madrugada 
Quando o som do galo ainda ecoava na geada
O culpado tinha sido o pico
Sim o pico
Pois quando passava, o melro de bico amarelo esvoaçara
Assustando-a 
E ela picara-se na roseira branca de bordos róseos
Mesmo na dor as vozes saudaram-se enervadas.
Ficava sempre assim quando a via passar, gaiata
feliz.
Seus olhos risonhos sempre o cativaram
Ele um cachopo que quisera ser livre
ter a liberdade de sonhar.
Beijara o dedo dela  no sitio da picada
Mas foi quando os sorrisos se encontraram 
Que tudo descambara 
Num mundo para eles desconhecido e vibrante
Os lábios tinham-se comungado e a liberdade voara

Alguns ainda se lembravam
Pois as idades eram as mesmas deles
Correndo pelas ruas cheias de sombras
De sacolas ás costas trazendo atrás deles as risadas
e as saudades de meninos e moços.
A vida fora cheia para eles
Agora amortalhados a meio dos noventa.

As vozes tinham gritado furiosas
Riscando nos fungares  a sua desdita.
Fora a vontade de Deus
Diziam uns.
Foi o maldito bicho vociferaram outros
Juntos na vida, juntos na morte.

Coitados já andavam adoentados murmurou o António da Micas
Toda uma vida plena de Amor ajuntou o Serafim da pipa.
Aconchegaram-se no seu cantinho e definharam
foi o que foi.
Foi com um abraço que se despediram aflautou a Ritinha.
Um amor extraordinário garantira o padre  embargado
no alto do púlpito
Um amor extraordinário.


Jorge d'Alte









sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O JOGO

 



O corpo franzino corria pela bola
Os seus pés tinham sido talhados para a finta
Mas os olhos comprometeram-no
Logo quando estava na ponta do golo.

Francisca estava ali!

Parecia uma princesa dourada pelo sol.
Sua cara não tinha rosto perdido na contraluz
Mas sabia que era nele que os seus olhos marinavam.
Soltou o seu sorriso no folhado do impropério.
O apito gritou-lhe que o jogo acabara.

Correu rumo á luz
E aí colheu um beijo, uma taça cheia de amor 
onde guardaram o momento.
Ele fora como o tronco que enfrentara o machado,
Fora desbravado, moldado e polido pela vontade.

Percorriam a praia na meia tarde correndo atrás do vento
Percorriam o presente escorregadio conquistando o futuro.


Jorge d'Alte

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

EU SEI

 


Eu sei, eu sei
Que sei o quanto sabes
Sobre mim.
Como o rouxinol sabe
Que sabe quando o piar 
Acredita
A chama e embala
Nos seus voos.

Voamos juntos 
Neste lado do horizonte
Onde o presente cresce 
Como suculentos frutos
Cheios de sementes.

E o amor?
Esse sei que sabes 
Que está sempre presente
Mesmo quando as palavras correm na brisa
Numa escondidinha de emoções
E os passos soam nas névoas e nos sonhos bonitos.

Sei que que sabes que quando nos encontrarmos
Nem que seja para lá do cio gemido, sussurrado e cantado
Nos beijaremos apenas no longo abraço
E os olhares sorrirão mil promessas de amor
Que os corpos dançarão.

Eu sei, eu sei
Que desejei todos os momentos
Em que nos demos por um fim
E como fruto que se abriu a semente floriu
E fomos mais amor do que fôramos antes.


Jorge d'Alte








terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O TEU BEIJO

 


Arde-me os olhos
Das lágrimas que correm
Rasgando o meu rosto
Em raivas que mordem
E cá dentro moendo me 

E rasga e dói
Em lágrimas loucas
Que dos olhos caiem
E sofro na solidão.
Sinto,
Por isso eu grito
Este bater
Que comigo trago.
No cimo do monte
Aperto o horizonte
Deixo o teu nome
Correr na brisa
De longe
Voa no eco
Novas de um coração aninhado
Perdido na imensidão
Da distância que trás o teu beijo.
 
 
Jorge d’Alte
 

sábado, 16 de janeiro de 2021

A COR

             De olhos parados 
Em campos de medo
             A criança chorava 
Em braços agarrados.
             Nesse dia bem cedo
Logo ao portão a sua cor cava
             Era chacota apegada
Pelas vozes cretinas de alguns.
              Sua sacola espalhava livros na arcada
Seu rosto pintava-se em cortes  esfolados 
              Só um enfrentou esses alguns
Sua voz irada foi gesto de ternura
              Uma a uma as lágrimas afagou
As vozes imbecis calaram-se pelos lados
              Esse gesto de candura
A dor, a cor, calou.

Jorge d'Alte

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

SUICIDIO

 

A escada apoiava-se em estrelas douradas.

Vertigem

Corpo dependurado

A mão que agarra a vida.

Na atração do abismo

O suicídio estalava

O segundo decisivo.

 

Jorge d’Alte

 2014

 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

LÚXURIA

 


A janela aberta
Em mundos opostos
Traça na certa
Alegrias e desgostos.
E na luz que dela brota
Qual luxuriosa lua nova
Ouvem-se passos de bota
Francesca e Casanova.


Jorge d'Alte
 
 
 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

PENSAMENTO

 


A realidade do Universo é o que Deus pensa

Não o que o Homem tende a imaginar…

 

Jorge d'Alte

domingo, 10 de janeiro de 2021

A JANELA E ELA

 


Abri a janela logo de manhãzinha
A aragem espichou acenando a cortina.
Tonta! 
Pensei, vendo-a a bulir
No compasso exato do meu coração
Alvoraçado.
Como flor estendida de olhar infinito
Seus olhos baloiçavam no ardente risonho
Talvez fosse uma miragem
Uma quimera.
Meus olhos deram um passo enfrente.
Estremeceu levemente 
Estendendo seus braços em pontas de dedos
Toque macio que me incinerou o sorriso
Que morreu no beijo dado e sentido.


Jorge d'Alte
 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

ESTÁ CLARO

 

Era vê-los percorrendo;
Os sentimentos está claro.
Percorriam um percurso
De veredas e ravinas
Eram como sangue ardendo
pelo encontro;
Do coração está claro.
Mas havia mais, havia boca,
beijos está claro
e línguas revoltas
Que estralejavam no cérebro escalando
Não sei até onde vão pois apago-me
Havia toques precisos preciosos adocicados
Das mãos está claro,
Havia tudo isto que como flores de hibisco 
Se abriam nas matinas para ti, 
Era amor está claro
E como beija flores o sugávamos
Um pouco para ti
Um pouco para mim, 
Era assim o todo, está claro.


Jorge d'Alte







quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

SE

Se morrer
E as asas etéreas dos anjos me vierem buscar
Deixo o meu sofrer
Por ai, em olhos esbugalhados de tanto chorar.
A ansiedade da saudade tolhe-me em cada noite
Na dança dos sonhos e dos sonhos por sonhar
Das sombras cinzentas no negro incrustadas.
Quem chorará por mim no açoite
Das amargas memórias e das coisas vãs por apanhar
Quem me beijará no gelo com bocas afagadas.
Quem me pegará na mão
Mãos que já não tocam nem cantam
Mãos que afagaram e foram emoção
Olhos que não seduzem e não amam.


Jorge d'Alte

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

DEAMBULANDO PELOS TEUS OLHOS

 

Pelos teus olhos vi
Esse mel essa doçura
Esses poléns de mil beijos
A nossa loucura
Essa boca em flor o teu abismo
Esse lago azul de verdes esperanças
Essa pele de sedas cheias
Onde as mãos avançam em carícias.
Pela tua boca provei esse mel
Esses murmúrios de luas cheias
A canção do desejo a tua paixão.
Sei que somos lendas
Contadas na solidão
Pelos teus olhos vejo
as miríades do teu coração.


Jorge d'alte

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

JANEIRO

 

Janeiro de brancos mantos
De troncos despidos esgalhando sem folhagem
De pingas pingentes como estalactites
Caindo como agulhas pela  morna aragem.
Arco-íris volteando nos seus cantos 
Cantares de pios madrigais
Elevam-se como apetites
Em voos de cios ornamentais.
Ventos  que sopram do Norte 
Trazem esse frio que como ogres
Criam nesse céu plúmbeo de lindo recorte
lindos por-de-sol ou pedaço de sortes.
Janeiro das mil geadas
Janeiro de Santos Reis
Janeiro das pessoas agasalhadas
Das lareiras ardentes e dos bolos reis.


Jorge d'Alte




domingo, 3 de janeiro de 2021

DEIXA



Pétala e caule

Harpa e corda

Partes de um todo

Tu e eu!

 

Não fales assim

Que me seduzes…

Deixa que isto cresça

Como a flor,

Deixa que a nossa canção

Flutue no nosso ar,

Deixa que a vida teça

Com fios duradoiros

O mapa da nossa vida,

Até que o todo

Una, a tua vontade e a minha.

 

Jorge d’Alte   2018

 

LUTA

 


Hoje as pálpebras abriram-se carrancudas
O frio mirrava-as teimando em cerrá-las
Mas hoje era o primeiro dia que nascia
Da noite festiva de urras e copos vazios.
Era o primeiro dia tão aguardado
Dois mil e vinte já era e na mente e alma de tantos
O "bicho" ficara lá já esquecido.
Algures nas estatísticas de sobe e baixa
O teu corpo estava lá, lutando.

Jorge d'Alte

sábado, 2 de janeiro de 2021

QUANTAS



 

Quantas vezes te vi passar

Como doce brisa pelos meus olhos

Traziam de lá essa doçura

Água de vida de quem ama.


Jorge d'Alte

 

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

ILHA DE UTOYA

 


 

 

As flores choram a seiva agreste da dor

De tantas almas plenas de vida

Que no segundo partiram ceifadas.

Asas rendadas que elevam a memória

Deixando como resíduo a vastidão da saudade.


Jorge d'Alte

 (ataque terrorista em 2011)