domingo, 28 de janeiro de 2018

VIDA E MORTE










O sol nasce quando a noite se despenha e morre
O dia desponta com sorrisos e a vasta escuridão cai e engole
A madrugada madruga quando as sombras se vão
São metamorfoses da vida
Que nos empurram inexoravelmente
Até ao limbo da morte.


Jorge d'Alte



sábado, 27 de janeiro de 2018

PAIXÃO SEM RETORNO









Desassossego
Borboletas na barriga
Vontade de nada
Fechar os olhos e sonhar
Desejo que corrói
Ficar neste infinito
Querer e não poder
Poder e não estar
Ela eu, eu ela
Sorrir sem querer
Chorar sem saber no escuro do quarto
Não poder abraçar
Beijo no imaginário
Sentir o coração morrer
Ferida que abre e não cura
Por um amor sem amar
Acordar e não a ter
Ter só solidão para abraçar.

Jorge d'Alte




quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

CADA GESTO QUE CRIO







Comprei-a pelo jornal
Numa noite estranha de sexta-feira
A solidão a fome e a dor
Não se afogaram na garrafa bestial
Cobrei então o seu amor
Seu encanto juntos deitados no feno da eira
No calor da bruma do álcool soltei
Lágrimas secas sem vida
Tanta dor tive e enfrentei
Neste gesto de mata fome sem saliva
Agora percorro a cidade
Entre chuva vento e frio
Deixando para trás a mocidade
Morrendo sempre mais um pouco em cada gesto que crio


Jorge d'Alte









sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

DEUS











Para lá do céu, das estrelas, da imensidão, do tudo
existes Tu.
Tento erguer-me em pontas e alcançar-Te como fruto Divinal na árvore proibida
mas não chego.
As preces não tiveram retorno, talvez pela raiva, incompreensão e impotência minha
Então no vento pergunto;
Porquê Criar a beleza se nos cegas
Porquê Criar a vida se a tiras

Porquê adorar-Te se não queres existir.

Jorge d'Alte

domingo, 14 de janeiro de 2018

ANGÚSTIA





Troteava caminhos corriqueiros…
Acompanhava-me o ruído tecnológico.
Caía na dúvida que crescia
como o sol no dia: estava tramado!
O cinzento que via, não era o céu mas sim o inferno,
de subir escadas; até onde?
No cimo queria ter visto o vale sereno de verdura viva, de flores jovens:
Papoilas e malmequeres para desfolhar.
No cadeirio perfilado contra alvas paredes
como condenados ao fuzil, as rugas idosas:
Tossiam em ranhos espessos, de dentes cariados e sorrisos débeis.
Placas dentais caíam no abrir das bocas disformes;
no soneiro entontecido e cambaleante das cabeças.
O sorriso atentivo traduziu aos meus ouvidos um cantar nostálgico implícito.
A alegria não morava ali nem a morte por lá passava;
Tinham-se divorciado ali mesmo pela mão de Deus partilhando:
Tu e Tu, aquele não!
Seria a roleta russa de que tanto ouvira falar?
Que porra! Devia ter prestado mais atenção nas aulas meninas da catequese!
Encolhi-me como cão que não sabe ao que vai,
que escuta grotescas palavras que são farrapos de sons e abana rabos.
E depois?
As batas são brancas e azuis, monossilábicas em espeta agulhas, de luzes roxas quando as queria amarelas ou brancas,
de ecrãs onde se pintam ossos descarnados, ou bojudas partes de vísceras
ou sacode cérebros  encaixados em crânios duros:
Porque não se vê a alma ou o espírito?
Alguém os terá escamoteado como em contas do estado?
Queria tanto vê-las!
As palavras correm lá em assaltos, mais depressa do que a vida; e já está!
A face amarelece com a soma dos números
apresentada com toda a pompa, como secreto anuncio de telenovela:
Não quer entrar o cartão na ranhura em dedos trémulos…
Lá se vai o comer do dia a dia!
Por fim a mostrenga vomita papéis que guardo no bolso roto
que como esgoto tudo nos leva: e agora?
Desço como rato escapando às dentuças de um gato esfaimado
e solto um suspiro: É alívio!
A cacafonia cá fora agasalha-me indiferente, como encolher de ombros,
com vozes que se misturam como aguarelas em lamúrias,
onde os semáforos ali se apagaram de repente: será assim o meu destino?
Baah…uma luz que se apaga e é substituída por outra da nova geração?
Troteio caminhos corriqueiros ao sabor dos ventos da memória
com pequenos senãos de permeio, até estes acabarem no eco,
que já  não vem!
Será mesmo esse o fim anunciado?


Jorge d' Alte
      


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

SRBRENICA











A planície desenhava-se inquieta.
A dor subia por raízes subtis,
como pus esverdeado
espremido de postulenta ferida.
Agitava as ervas como brisa
em sussurros; eram vozes!
Vozes reprimidas e calcadas!
O chão abriu-se!
Cloaca negra de cheiros inúmeros; nauseabundos, putrefactos.
Deixou escapar gritos de tormentos guardados,
dedos ósseos despojados,
mãos que se deram na aflição
morrendo; Eram eles, os miúdos e os velhos!
E o mundo acordou como relâmpago de dor
olhos esmorecendo na nesga do estupefacto.

Tanta dor a doer por ali escorrendo!

Jorge d'Alte

domingo, 7 de janeiro de 2018

CORAÇÃO












O coração não estava, onde estivera
onde devia estar.
Estava ali saltando
de esfuziante alegria!


Jorge d' Alte

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018







Há aldeias que choram
nos altos e nos baixos.
Alegrias garridas que se foram
vozes monótonas que ficaram,
apenas acordadas nos sinos repicados
de finados.


Jorge d'Alte