sábado, 31 de março de 2018









Pobre terra de lusitanos, hoje
Onde vivemos descorados
vergonha amarga de já não termos nada,
e soberania hipotecada.
Puseram-nos nus no meio do mapa
onde as nossas peles suam a escravatura.
Afonsos nos elevaram, Henriques nos deram sonhos,
mundos nos admiraram.
E no mas?
A besta veio disfarçada
olhos tenros de ganância, no meio da boa fala.
Meteu a mão nos nossos bolsos,
tirou-nos a tanga, em pelota
pôs-nos à rasca.
Com pele de carneiro
dá -nos lobos tapa olhos
e ri-se por detrás do maléfico sorriso
da estratosfera. .
Pobre terra de Lusitanos com outrora,
sem presente, nem amanhã,
definhando!

Jorge d'Alte



terça-feira, 27 de março de 2018






Hoje a gula pegou
no calor da conversa!
Veio como chegou
nem devagar nem depressa.

Voa no ar salivante aroma
chovem fatias de queijo
fatias de pão de forma
entremeadas com um beijo.

O fiambre e a linguiça
dormem no meio do pão
mas a gula tira a preguiça
e devolve-nos a sensação.

Agora o molho ferve!
Mil sabores o compõem
e no prato que se serve
facas e os garfos dispõem.

Chamaram-lhe francesinha
a este gostoso pitéu
e na digestão que se avizinha
sonhamos que estamos no céu.

Jorge d'Alte

quinta-feira, 22 de março de 2018

SOLIDÂO






Os copos entrechocam-se
a festa ruge
as gargantas ardem no etílico
as mentes estão plenas de névoas
a euforia chegou
grito a melodia
mas o coro acabou.
Negro!
é tudo o que vejo
chamaram-lhe solidão.
A calçada ecoa
leva passos cabisbaixos.
Do meio da sombra
a madrugada cresce
o sol renasce
e tu amor?


Jorge d'Alte







segunda-feira, 19 de março de 2018

SILÊNCIO





Os nervos
os ouvidos
os olhos
são agudos receptivos
sobre a pressão do silêncio.
Tudo parece
um pouco maior
anguloso
do que a realidade.
Tudo desde o pousar dos pés
nos frios azulejos
o roçagar da manga
das palmeiras do jardim
parecia ter uma claridade de som
que tremia como nota de marfim..

Jorge d'Alte




quinta-feira, 15 de março de 2018

INCOMPREENSÃO

                    


A árvore sob o pano
estendia seus tentáculos.
Os olhos numa ilusão óptica
viam o vulto sem alma
tentáculos vergados
que se escapavam e floresciam
um rosto sem pormenor
sem qualquer traço de ter mudado.
Não tinha!
Sentia rebolar-se no gozo
atirou a gargalhada ao ar.
Todavia havia qualquer coisa mais
um novo motivo de satisfação
que ainda não compreendia.
Viram-no parar do lado de fora
olhando para cima e para baixo
como que para decidir em que direcção.


Jorge d'Alte

terça-feira, 13 de março de 2018

CINDERELA







…e você seria, senhora do sol e da lua,
se eu fosse rei.
…isso seria uma coisa bela!
Trevas ressoam na passadeira vermelha
enquanto se enche esse sapato com um pé
…serei a tua cinderela
…eis o que farei!
pele despida e crua
cai no rebolo da alvura
acende uma centelha.
…Principe o que é?
…Monta este cavalo alazão!
Desfilada agreste entre sons de estrelas
o fugaz entrechocou
o desejo mais a emoção
essa tensão que se quer dura
que rasga as entretelas.
Já passada, sem fulgor murchou…


Jorge d'Alte



domingo, 11 de março de 2018

SUICÍDIO






A escada apoiava-se em estrelas douradas
Vertigem
Corpo dependurado
na mão que agarra a vida.
Na atracção do abismo
o suicídio estalava
o segundo decisivo.


Jorge d'Alte


quinta-feira, 8 de março de 2018

CIDADE







Paredes altas, tão altas que esganando apertam
erguem-se num desafio aos céus
competem com estrelas lá no breu
torres de vida, que de luz doirada se iluminam
babilónia de línguas que se mordem
estroncando o silencio com intrigas
agrestes. Em baixo como formigas
passos soam, como gongos que sacodem
poeiras que racham vida, sem solidariedade
trazendo olhos como focos cegos
escondendo em interstícios, a verdade
elevando na soberba nossos egos.

Jorge d'Alte


terça-feira, 6 de março de 2018

LÚXURIA








A janela aberta
Em mundos opostos
Traça na certa
Alegrias e desgostos.
E na luz que dela brota
Qual luxuriosa lua nova
Ouvem-se passos de bota
Francesca e Casanova.

Jorge d'Alte

quinta-feira, 1 de março de 2018

DIÁLOGO





Ordenei à razão, que parasse
a sua cacofonia. Não quero saber!
grita o coração e risca
a perpendicular. Até aqui sou eu!
Tu és o ali, o acolá!
Com faca de talhante corta a eito
de cima para baixo separando-me o peito.
Dependurada, a razão pica
Vez o que fizeste?
Tu coração és cego
como farol dum calhambeque.
Eu sou a auto-estrada segura
onde nunca ninguém se perde
eu penso!
Tu apalpas, caindo vezes sem conta
tropeçando a cada instante,
numa qualquer raiz…
Cala-te! Eu sinto o que tu não vês
tu vestes-te de branco e preto
onde fica o cinzento?
Tu és quadrada e opaca

no translúcido eu sou a tua sombra
e esgueiro-me como lebre
por ente os teus pontos finais
e interrogações. A minha trajectória
é a diagonal! O sabor é esticado até aos limites
sou como sol e na minha gravidade,
todos giram. Estás louca é o que é!
A razão tem sempre razão!
Por isso sou perpendicular
o meu ângulo é recto o teu é circular.
Enquanto ferves nesse amor
eu gelo o teu calor e domino-te
como domador. Que dizes?
Não venhas com mansas falas!
Não te a trevas a seduzir-me!
Está quieta, não digas isso…
Eu sou a razão! Mas tens razão!
Eu amo-te coração!






Jorge d'Alte