Embarcara
finalmente num voo de horas em que na sua mente se congeminava o pior cenário.
Os
corredores mergulhados na luz mortiça, pareciam estreitarem-se cada vez mais
estrangulando-o, tal como a sua voz o fazia, pois as palavras não saíam e
entupiam estupidamente o seu peito.
Diante
de uma das portas do alvo corredor, várias pessoas conversavam baixinho. Lá
estavam algumas raparigas que presumiu serem da escola e outras pessoas mais
velhas que deveriam ser talvez da família da sua namorada. Escutou murmúrios à
sua chegada mas não ligou. O seu coração rebentava e a palavra saiu um pouco
histérica quando viu a sua mãe que saíra pela porta e se dirigia para ele
–
Mãe! – A Emília?
–
Anda meu filho; ela tem estado à tua espera - entra!
Abriu
de mansinho uma outra porta que dava directamente para o quarto onde Emília estava
deitada na brancura dos lençóis que a cobriam, com dona Fernanda sentada ao seu
lado.
Penosamente
esta levantou-se cambaleante ficando de pé olhando sem vida para ele, baixou a
cabeça, retirando-se de seguida, pois fora um pedido de sua filha, para que
quando Manuel chegasse os deixassem a sós.
Manuel
escutou a voz tão adorada chamando por ele:
–
Manuel! – Meu Manuel - chegaste por fim…
Este
caíra de joelhos ao lado da cama branca, enterrando o seu rosto entre as mãos
de Emília, que jaziam prostradas no seu regaço. Logo levantou a cabeça e
fazendo das tripas coração conseguiu sorrir levemente e ternamente depositou um
beijo como nunca o tinha conseguido fazer, onde todo o seu amor, a sua angústia,
a sua ternura fluíam, levando alguma cor ao rosto exangue de Emília.
-
Amor, já sabes o que se passa comigo? – Não sei como tenho aguentado esta
espera por ti…- sabes que vou ter de partir? – Vá, não chores, pois o tempo
escasseia e temos muito de que falar.
Fechou
os olhos por um momento, suportando sem ruído um espasmo de dor, que como abalo
sub-reptício a fez estremecer.
Manuel
olhava-a sereno, agora que a tinha ali e escutava as suas palavras… Vai partir? - É assim tão grave? - Meu Deus, porque
a quereis tirar-me?
Ia pensando Manuel apertando com paixão as mãos geladas da sua
companheira.
- Desculpa
mas não consigo conter-me…mas eu estou aqui contigo e só por ti meu amor…só não
consigo compreender tudo isto que nos aconteceu…foi tão diabolicamente rápido…
-
Há doenças que quando se manifestam ou damos por elas já não têm remédio nem
cura.
Tentei
lutar contra ela por ti meu Manuel, mas ela é mais forte do que eu e sugou-me
quase toda a minha vida deixando apenas este corpo como farrapo, mas consegui
travá-la até há tua chegada. Queria voltar a ver-te, sentir-te…despedir-me de
ti e partir com a imagem do teu rosto, e o calor da pessoa linda que és…amo-te
muito, como nunca pude imaginar ser possível…todo este tempo juntos foi como
viver num casulo cheio de felicidade, onde eu e tu nos completamos como um
único ser, um gão de poeira neste universo do sentir e o nosso amor foi grande
e transcendente quase a perfeição…
-
Sabes? - Tenho uma última vontade a pedir-te? - Escuta bem o que te vou dizer
agora
-
Eu sei que há alguém que te ama muito, para além de mim… promete-me Manuel, que
quando estiveres preparado e a conseguires descobrir, tudo farás para a fazer
feliz e seres feliz também. - Onde eu estiver velarei por ti e esfumar-me-ei na
altura devida para te dar um novo espaço…um dia quando a altura chegar voltaremos
a estar juntos, prometo-te! … Gostaria que um dia quando a luz também se apagar
nos teus olhos, queimassem os nossos ossos e misturassem as nossas cinzas…
agora beija-me rápido…
Manuel
foi arrancado do seu torpor pelas palavras ansiosas e aflitas de Emília e
debruçando-se sobre ela, encontrou os seus lábios arroxeados abertos para ele.
Durante
uns minutos sentiu uma força devoradora que encheu a sua alma de uma paz
inigualável, enquanto as mãos se apertavam como num último espasmo de força e
de vida.
Sentiu de súbito o aperto afrouxar e o seu
nome ser pronunciado num último alento, como brisa de vento que passa, nos
refresca e não volta mais – Manuelllll!
Soubera
nesse momento que tudo tinha acabado.
Sonhos
e sonhos ruíram como castelos de areia.
Emília
partira e gritou alto o desespero que lhe ia na alma; toda a sua frustração,
toda a sua ira e raiva, virado para o crucifixo que havia na parede por cima da
cama onde jazia a sua amada.
Depois
almas caridosas entraram de rompante e levaram-no dali para a salinha onde o
sentaram num pequeno sofá.
Jorge d'Alte
( Excerto de livro da minha autoria)