quarta-feira, 12 de abril de 2017




Embarcara finalmente num voo de horas em que na sua mente se congeminava o pior cenário.
Os corredores mergulhados na luz mortiça, pareciam estreitarem-se cada vez mais estrangulando-o, tal como a sua voz o fazia, pois as palavras não saíam e entupiam estupidamente o seu peito.
Diante de uma das portas do alvo corredor, várias pessoas conversavam baixinho. Lá estavam algumas raparigas que presumiu serem da escola e outras pessoas mais velhas que deveriam ser talvez da família da sua namorada. Escutou murmúrios à sua chegada mas não ligou. O seu coração rebentava e a palavra saiu um pouco histérica quando viu a sua mãe que saíra pela porta e se dirigia para ele
– Mãe! – A Emília?
– Anda meu filho; ela tem estado à tua espera - entra!
Abriu de mansinho uma outra porta que dava directamente para o quarto onde Emília estava deitada na brancura dos lençóis que a cobriam, com dona Fernanda sentada ao seu lado.
Penosamente esta levantou-se cambaleante ficando de pé olhando sem vida para ele, baixou a cabeça, retirando-se de seguida, pois fora um pedido de sua filha, para que quando Manuel chegasse os deixassem a sós.
Manuel escutou a voz tão adorada chamando por ele:
– Manuel! – Meu Manuel  - chegaste por fim…
Este caíra de joelhos ao lado da cama branca, enterrando o seu rosto entre as mãos de Emília, que jaziam prostradas no seu regaço. Logo levantou a cabeça e fazendo das tripas coração conseguiu sorrir levemente e ternamente depositou um beijo como nunca o tinha conseguido fazer, onde todo o seu amor, a sua angústia, a sua ternura fluíam, levando alguma cor ao rosto exangue de Emília.
- Amor, já sabes o que se passa comigo? – Não sei como tenho aguentado esta espera por ti…- sabes que vou ter de partir? – Vá, não chores, pois o tempo escasseia e temos muito de que falar.
Fechou os olhos por um momento, suportando sem ruído um espasmo de dor, que como abalo sub-reptício a fez estremecer.
Manuel olhava-a sereno, agora que a tinha ali e escutava as suas palavrasVai partir? - É assim tão grave? - Meu Deus, porque a quereis tirar-me? Ia pensando Manuel apertando com paixão as mãos geladas da sua companheira.
- Desculpa mas não consigo conter-me…mas eu estou aqui contigo e só por ti meu amor…só não consigo compreender tudo isto que nos aconteceu…foi tão diabolicamente rápido…
- Há doenças que quando se manifestam ou damos por elas já não têm remédio nem cura.
Tentei lutar contra ela por ti meu Manuel, mas ela é mais forte do que eu e sugou-me quase toda a minha vida deixando apenas este corpo como farrapo, mas consegui travá-la até há tua chegada. Queria voltar a ver-te, sentir-te…despedir-me de ti e partir com a imagem do teu rosto, e o calor da pessoa linda que és…amo-te muito, como nunca pude imaginar ser possível…todo este tempo juntos foi como viver num casulo cheio de felicidade, onde eu e tu nos completamos como um único ser, um gão de poeira neste universo do sentir e o nosso amor foi grande e transcendente quase a perfeição…
- Sabes? - Tenho uma última vontade a pedir-te? - Escuta bem o que te vou dizer agora
- Eu sei que há alguém que te ama muito, para além de mim… promete-me Manuel, que quando estiveres preparado e a conseguires descobrir, tudo farás para a fazer feliz e seres feliz também. - Onde eu estiver velarei por ti e esfumar-me-ei na altura devida para te dar um novo espaço…um dia quando a altura chegar voltaremos a estar juntos, prometo-te! … Gostaria que um dia quando a luz também se apagar nos teus olhos, queimassem os nossos ossos e misturassem as nossas cinzas… agora beija-me rápido…
Manuel foi arrancado do seu torpor pelas palavras ansiosas e aflitas de Emília e debruçando-se sobre ela, encontrou os seus lábios arroxeados abertos para ele.
Durante uns minutos sentiu uma força devoradora que encheu a sua alma de uma paz inigualável, enquanto as mãos se apertavam como num último espasmo de força e de vida.
 Sentiu de súbito o aperto afrouxar e o seu nome ser pronunciado num último alento, como brisa de vento que passa, nos refresca e não volta mais – Manuelllll!
Soubera nesse momento que tudo tinha acabado.
Sonhos e sonhos ruíram como castelos de areia.
Emília partira e gritou alto o desespero que lhe ia na alma; toda a sua frustração, toda a sua ira e raiva, virado para o crucifixo que havia na parede por cima da cama onde jazia a sua amada.

Depois almas caridosas entraram de rompante e levaram-no dali para a salinha onde o sentaram num pequeno sofá.


Jorge d'Alte

( Excerto de livro da minha autoria)



Sem comentários:

Enviar um comentário