segunda-feira, 31 de agosto de 2020

TRISTEZA

 

Tristeza!

Chuva que não cai no húmus que tudo renova

Alegria que não vive como iato no tempo

sorrisos que não se abrem como sonhos de primaveras

passos deléveis que tragam o roer da mente

 

jorge alte

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O FIM

 


Saíra de casa com a sua sombra companheira

Não pela porta; a janela aberta sim.

Os longos caracóis como os cachos de uvas pintadas

Brilharam fugaz na semi-lua aninhada na nuvem passageira

Olhou receoso que os seus passos gritassem a sua dor

Na noite escura que o abafava

Olhou-a na contra luz naquele cimo penoso

Onde as lágrimas o olhavam, no rosto dela

Gemeu o nome dela com a luz do coração

O rosto moreno torneou em volta até ao gemido

Raiando fés e esperanças nas mãos contorcidas

Os lábios morderam-se ferindo-os nas palavras roucas

Porque partes?

E o amor?

Mendigaram-se de afetos na última vez de sombras unidas.

O raio da alvorada encheu plena, a clareira

Mesmo no momento da despedida

Ele ficou olhando o cheiro dela que se ia

Quinze anos tinham crescido com eles

A ferida casquinou na sua desdita deixando-o ali

Como folha indecisa que o vento sopra.

 

Jorge d’Alte

 


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

PANDEMIAS

 

Os sinos não tocaram para lá da meia-tarde.

As sombras tinham começado a comer o sol.

As ruas silenciosas eram pasto dos insetos.

As andorinhas flirtavam ganindo nos seus chilreios.

De onde a onde o lume crestava chaminés fumegantes.

Afinal havia vida esconsa recheada nos seus medos

As janelas cerradas da aldeia alva ou de pedras graníticas

Guardavam histórias dos tempos idos dos avós…

No meu tempo quando era um moço a pandemia grassou

Roendo peitos nas dores convulsas, criando corpos gelados por aí.

A fome era vício, o pão molhado nas migas de vinho fino

Era o atordoador das mentes orantes do Pai-Nosso-Avé Maria

Os campos verdes e tratados eram silvados purgatórios do ganha-pão.

Aqui e ali as vozes suplicavam a Deus e as pazadas de terra seca

Adivinhavam o corpo que descia.

 

Jorge d’Alte

AQUELA MIÚDA

 


Vejo um imbecil

sentado por aí,

não dá conta do tempo

do que se passa em redor

com cara de quem acaba

de levar, com um ferro de engomar na cabeça.

Talvez sofra de um sarilho com mulheres!

Está escuro como tudo,

chove, faz frio e em qualquer ponto do céu

ouço uma voz a chamar.

Não me preocupo muito,

pois penso numa miúda meiga,

tem tudo quanto se possa imaginar

e fantasiar.

Ela é a prece deste coração errante!

Porque não contar novas

da geografia desta menina?

Mediana, com curvas como ninguém viu

em nenhum compendio de geometria.

Olhos azuis profundos…

misteriosos…

que quando nos olha

faz-nos sentir cobras pela espinha,

acima.


Jorge d'Alte

 

 

 

 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

PORQUÊ?

 


Tangendo, a corda soltou

um acorde de notas insatisfeitas.

A clave caiu com estrondo.

A barbárie aconteceu.

Gritos eram dardos arremessados

que espetavam trespassando.

A névoa toldou o espírito,

as sombras caminhavam apressadas,

a vozita prostrada soava aflita,

vendo o sangue vermelho que brotava…

A fonte árida e seca momentos antes,

jorrava montes de esguichos

por onde a alma se escapava.

A voz movia-se no eco do silêncio,

o peito amarfanhava-se

sacudido por tosses convulsivas.

As mãos enclavinhadas tentavam segurar

pontas de vida num relógio quebrado.

As horas já não corriam com o vento

os minutos quedavam-se em cada arquejo,

areias escaldantes deste deserto.

Os segundos eram tudo no desejo.

Vieram os anjos na sua alvura,

as trompas tocaram a desdita,

o céu caía sombrio cada vez mais perto

e a luz alva invadiu o espírito.

Trouxe a serenidade a esse rosto de menino

tantas vezes inquieto,

levando na volta, o seu sopro de vida.


Jorge D' Alte

 

DIÁLOGO

 


Ordenei à razão, que parasse

a sua cacofonia. Não quero saber!

grita o coração e risca

a perpendicular. Até aqui sou eu!

Tu és o ali, o acolá!

Com faca de talhante corta a eito

de cima para baixo separando-me do peito.

Dependurada, a razão pica

Vez o que fizeste?

Tu coração és cego

como farol dum calhambeque.

Eu sou a auto-estrada segura

onde nunca ninguém se perde,

eu penso!

Tu apalpas, caindo vezes sem conta

tropeçando a cada instante,

numa qualquer raiz…

Cala-te! Eu sinto o que tu não vês,

tu vestes-te de branco e preto

onde fica o cinzento?

Tu és quadrada e opaca,

no translúcido eu sou a tua sombra

e esgueiro-me como lebre,

por ente os teus ponto final

e interrogações. A minha trajectória

é a diagonal! O sabor é esticado até aos limites,

sou como sol e na minha gravidade

todos giram. Estás louca é o que é!

A razão tem sempre razão!

Por isso sou perpendicular

o meu ângulo é recto o teu é circular.

Enquanto ferves nesse amor,

eu gelo o teu calor e domino-te

como domador. Que dizes?

Não venhas com mansas falas!

Não te a trevas a seduzir-me!

Está quieta, não digas isso…

Eu sou a razão! Mas tens razão!

Eu amo-te coração!


Jorge d'Alte

 

 

 

IMAGINA

 


Imagina um corpo recortado na penumbra,

cheio de linhas douradas do contra luz.

Lança a tua fantasia no ar,

retém a respiração por um momento…

Imagina o sorriso que não tem,

o olhar que não vês, a vida que não sentes...

Deixa a tua imaginação voar ao encontro do desejo,

deixa a emoção que te bate à porta fazer parte do teu peito...

Sente esses lábios que não são,

percorrer teu corpo como passos na escuridão...

Deixa-os subir esses degraus até à tua mente,

deixa-os enchê-la como balão prenhe dessa música

que a cada golfada sobe, sobe...

Deixa que rebente nesse cúmulo...

Apanha esses farrapos de borracha que caiem,

que esticam a nossa pele no auge do que se sente...

Imagina-te a voar num céu escuro onde não há estrelas,

só tu!

Imagina então...

que deste vida a essa recordação,

e que ela está ali, sorridente como sempre,

com a luz viva do seu olhar,

com a vida a pulsar nesse bater,

procura nos seus lábios o teu desejo,

a emoção que te enche o peito,

abraça-a com todo o teu sentir,

chama seu nome

e deixa-te ir!


Jorge d'Alte

 

 

 

ADÃO E EVA

 

     

Os ossos sacudiram a terra,

despediram-se agradecidos aos vermes.

Mãos acariciam-nos com esperança.

- Seria isto uma criança?

ADN envolto na gaguez da idade

batas brancas deixam as remelas do olhar

e criam!

Nasci do nada sem berço de mãe

pergaminhos de faces caídas me osculam com o olhar…

- Eis a criança! Ufanizam.

Olho o meu horizonte sem ar.

A gaiola que acolhe a humanidade é translúcida.

Afinal o sol sempre nasce!

- Tu e tu, a voz fina questiona.

Os anos milenares notam-se nas vozes roucas,

desgastadas como seixos rolados em rios secos.

- Onde estão as crianças como eu?

A vergonha cai em egoísmos arrancados…

- Não há!

Somos imortais e olvidamos esses primórdios.

- Serás tu uma criança?

- Eu sou a criança, mas não quero este mundo!

- Quero brincar, aprender e sonhar!

- Porque me criaste Pai?

ADN envolto na gaguez da idade.

Batas brancas recordam a vida que foram

e criam!

Nasci do nada sem berço de mãe

rugas de faces caídas me osculam com o olhar…

- Eis a criança! Ufanizam

No éden, vivo virgem num corpo em mudança…

No término do dia, a lua dança e recorta a sombra.

- Eu sou o homem e tu?

- Tu és lindo nesse corpo que reluz!

- Tu és linda, mas és diferente…

- Porquê esta atração, Pai?

Nasci do nada no berço de mãe…


Jorge d'Alte

 

 

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

A HORA

 


A barca negra espera

no cais da morte.

A alma singela em passinhos curtos.

- Não entro!

- Quero o metro porque enjoo.

Enfiam-lhe asas – voa!

O corvo negro saltita não de contentamento.

Aflito!

- Só voo na TAP!

No rés-do-chão a sombra negra abre a porta

do elevador. (nervoso)

Olhos procuram ver…

- Ainda não fez a revisão! Não entro, não!

- Posso morrer!

Negra sombra ainda mais negra, (desesperada)

caminha desgastada degrau a degrau.

….A luzinha alva brilha lá muito em cima.

- Falta muito para lá chegar?

Abre a bolsinha, tira o big mac

procura a bebida para empurrar…

…Santa paciência! O negro desdita.

Ergue para cima as covas do olhar

pega no telemóvel suplicante: - Meu Deus!

- Posso deixá-la ficar?


Jorge d'Alte

domingo, 16 de agosto de 2020

OBSCENA


Enroscada no sofá

como gatinha lustrosa,

toda pernas maravilhosas

e decote tentador,

seios de sonho ainda empinados e rijos,

lançava-me um desafio,

quando cheguei!

Ventre plano,

descia até à curva deliciosa das coxas,

já para não falar do cabelo,

longo, ruivo e sedoso que lhe afagava os mamilos,

orlando um rosto felino demasiado belo,

para a tranquilidade de qualquer homem.

Pareces obscena!


Jorge d'Alte

 


DE LONGE

 


De muito longe vêm em bando,

trazendo saudades na sua bagagem.

A casinha branca num qualquer canto

onde aromas cozem em lume brando

e nesta soberba paisagem

como por azos de encanto,

os beijos sussurram-se em abraços e gestos

e no calor das lágrimas soltas e caídas,

enchem-se de amor esses  cestos

e lavam-se as feridas.


Jorge d'Alte

ESCUTA

 

Escuta com cuidado o teu coração.

A centelha da amizade arde pura

Mas em vez de um gesto de ternura

Magoas com prazer e sem remissão

As pessoas que de amigas te querem bem.

Lembra-te porem, que um dia pode chegar

Em que ao abrires os olhos para acordar

Olhes em volta, e a teu lado não tenhas ninguém.


Jorge d'Alte

 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

QUANDO

 


 

Quando por ela passo

há sempre um esboço de sorrir.

Seus olhos cálidos me apertam e afagam

me despem e me tragam

e com traço suave e escasso

escrevem musicas para eu ouvir.

Sua magia agarra o meu olhar

que tenta fugir e não consegue escapar.

Sei perfeitamente que é ilusão

uma mão cheia de nada, que se abriu e fechou.

Seu coração é oco, vazio de sentimentos e paixão

e depois de passar, olho para trás, e sinto que nada restou.


Jorge d'Alte

 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

ACREDITAR



A Fé e a Esperança de mãos dadas.

Essa vontade que nos rói

Essa ânsia que ergue olhos ao céu

Esse pedido pungente que rogamos ao Criador

Essa contrição de "ses" e "porquês"

Esse implorar com tristeza e dor

Essa luz luminosa que inflama almas

quando eram mãos implorativas sem nada

Acredito, acredito, sem saber porquê.


Jorge d'Alte