sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

NOVO ANO

 Disseram-me na meninice
que íamos passar o ano
que era só um segundo
que tudo seria diferente
Dançamos á meia noite
como loucos possessos de ansiedade
A neblina que caia enxofrada
sentia-se gélida sebastianina
Havia alegria, felicidade, amor
mas para lá dela da dança dançada louca
havia morte, guerras crianças sem esperança.
Era pequeno de mãos estendidas, rezadas
mas Deus não me ouviu
e hoje passados tantas passagens de ano
continuo sufocado na minha tristeza
Já não danço
peço olhando as estrelas
pois uma vez disseram-me 
que era lá que viviam os mortos e os anjos
talvez aos pés do criador.

Jorge d'Alte

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

A CEIA DE NATAL


Hoje sorri o sol 
quando ontem caía a neve
Era branca a montanha hirta
corpo volúpia de mulher
Os ventos teceram-na bela - um deleite
lançando braços de estalactites
que abraçavam a nuvem pachorrenta
cheia de lágrimas de ti.
Rolaram encosta abaixo como rios prenhes
Era a saudade de dentro
a solidão de estar ali no só
Ontem enquanto a neve caía
chorei lágrimas de alegria
que se transformaram na neve que me cobria
O gelo de tantas esperanças aos poucos derretia
quando soube de mão beijada
que aquilo que mais desejara
se concretizaria - a ceia de Natal contigo.

Jorge d'Alte

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O MENINO


Logo quando o dia findar
quando o Menino nascer
e a estrela brilhar
virão pastores e ovelhas
gentes para o idolatrar
numa caverna de Luz
e vozes se elevarão cantando
cantando o nascimento de Jesus
mal sabendo que viera  e nascera para sofrer - morrer.
Maria e José deitaram-no numa manjedoura
podia ser de ouro pois era o rei
podia ter exércitos mas tinha gentios e ovelhas
no entanto lutou pela Palavra
invadiu aldeias e cidades, capelas e catedrais
e a Lei do Pai atravessou os séculos viveu nos milénios
e agora sentados á mesa em família celebramos.
Logo quando o dia findar
as orações vão elevar
a alegria vai cantar
e o Eu pequenino
sonha pois tem de sonhar, viver caminhar até morrer.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

CAI A NEVE E TU E EU

 Cai a neve nos meus ombros
gelando-me o arrepio trespassado.
Era um prazer diferente dos escombros
de um amor desfeito mal temperado.
Caminhei pelas veredas palmilhadas
no caminho entre nós - o tu e o eu
talvez por aí encontrasse as palavras
que um dia nos levou ao apogeu.
Os meus olhos iam cegando a pouco e pouco
as mãos enregeladas eram cepos - inertes,
dentro os sentimentos eram tantos como louco
o coração batia forte como cassetetes
Então vi-a
morena linda de entontecer
lábios que sorriam como ímpia
cabelos que voavam no entardecer
E aconteceu quando a primeira estrela nasceu
uma cerca de palavras ternura muitas e adoradas
e as mãos quentes os lábios com beijos rompeu
Também era natal, por isso a neve caia em lufadas.


Jorge d'Alte








terça-feira, 19 de dezembro de 2023

HOJE APAGUEI A LUZ DO MEU OLHAR

 Hoje apaguei a luz
Só o silêncio fazia companhia
na escuridão que ardia
na solidão que bramia.
Os olhos cerrados não entendiam
o coração só batia pela dor ferida
mas estava eu ali deitado nu e despojado
esperando o escalpelo que me retalhava
Pedaços da vida eram removidos
aqueles em que me tinha perdido
em que a felicidade se escapara entre dedos finos de amar.
Outros estavam ali no cenário
dias quentes de ti ao meu lado
amor que nos demos em mundos paralelos
onde nos encontrávamos nos beijos carminados
explorados nas línguas torturados nos afagos
garroteados na paixão...
Hoje apaguei a luz
para te poder sonhar
Sonhos de tu e eu calores de abraçar
mãos que se davam nos caminhos por aí
vida que colhêramos num dia fechado de chuvas e frios
num dia como este em que a tristeza se abateu
levando-te de mim para sempre.
Hoje apaguei a luz 
 para de novo te sentir
para me perder no teu sorrir
beijar o teu olhar
caçar a lágrima rebelde
com os dedos de afagar.
Hoje apaguei a luz do meu olhar.

Jorge d'Alte

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

SORRISOS

Dentes nevados
que sorriem lestos
animam o rosto que por ser trigueiro
me encantou me prendeu e amou.


Jorge d'Alte

OLHO COM HORROR

Olho no horror meu olhar molhado
olhos dormentes insanos são os meus
e os teus como olham?
Vejo nos meus braços o corpo exangue
fora uma criança desenhada bela
de olhos escuros tez escura mas a outra
a que jaz a meus pés é branca e loira
pincelada de sangue de tantas outras.
Mortas
no chove chove das balas
parecem dormir num esgar que sofre
parecem dormir mas estão mortas.
Olho horrorizado
a indiferença
o alhear dos olhares
das vozes roufenhas que a meia voz
dizem protestar
Mas o vazio está ali
no martírio 
nas dores
nos dessentires acabrunhados.
Olho com horror
E tu como olhas?


Jorge d'Alte

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

NUVEM

Ela era amada!
Vivia por aí no seu paraíso íntimo
Um mundo só dela desprovido de siso
Corria agarrando o vento na sua voz de eco
sorria alheada quando inquirida.
Crescia longe da cidade e dos vícios
Crescia na aldeia da serra descendo as encostas
percorrendo as margens singelas do seu caminho
Chamavam-lhe Nuvem pois esfumava-se 
falando com a flor que se abria 
salpicando suas faces com a água dourada
rindo sem sentido na caça ao coelho.
Ela era amada por todos
Nascera na morte de sua mãe
nas sevicias de seu pai.
Ela era amada
Por ser quem era
por ser amor
por ser eterna criança.


Jorge d'Alte