domingo, 12 de dezembro de 2021

CONTO

                             Ele era o Luís e como tantas crianças sonhava e nessa mesma noite nas meias voltas do sono, sonhou o que fazer neste natal, com dez anos para ele e para os seus três amigos do coração.
Dantes costumavam ajudar os mais idosos a atravessar as ruas mais difíceis ou a levarem as suas compras até essas casas sombrias, cheias de degraus e bolores.
Estavam no quintal em redor da sua tão quentinha fogueira enrolados nas mantas grossas. De vez enquanto caiam floquinhos de neve que se esfumavam aos seus pés.
A decisão caiu com o sino da aldeia a dar as seis do entardecer.
Despediram-se levando a esperança e a alegria no olhar, pois não ia ser fácil convencerem os seus pais do que se propunham fazer e por isso a ansiedade tomava conta deles.
Foram três longos dias de negociações.
As aulas estavam em repouso deixando os rapazes entusiasmados na festa que se avizinhava, o Natal.
Um pouco contrafeitos os pais anuíam num meio sorriso, por outro lado orgulhosos dos seus meninos, no outro preocupados com a sua segurança.
No ermo da aldeia vivia a pessoa mais pobre de lá, com a sua filha de sete anos, a Renata, e os pequenos queriam fazer-lhe uma surpresa e a sua boa ação anual.
A noite estava fria mas de deslumbrante luar. A neve tinha-se acumulado nas vãos da estrada e nos telhados e eram pingentes de gelo cristalino nas pontinhas dos ramos das árvores seculares.
Meio envergonhados caminhavam os pais vestidos de pastores. 
O pai do Francisco levava  á reata uma linda cabrinha. Os outros pais, do Serafim, Pedro e Luís levavam nas suas mãos forradas com espessas luvas de pele, lanternas de petróleo acesas  que iluminavam o caminho de pedras angulosas e gastas. No meio deles e radiantes iam as mães e as crianças, transportando elas sacas com viveres para a consoada e as crianças livros, lápis aguarelas, pois sabiam que ela gostava muito de desenhar, colorir e pintar e uma boneca.
Chegaram por fim ao termo da aldeia onde numa pequena elevação se alcandorava a casa pequena de Dona Deolinda e sua filha.
Luís abanou os chocalhos que levava nas mãos, três de vários sons, ao mesmo tempo que  Francisco batia suavemente mas decidido na fraca porta.
Pelas vidraças uma pequena luzinha tremeluzia.
A cabrinha foi atada a uma pequena argola de ferro fundido que havia na parede da casa.
Foi a pequenina Renata que abriu a porta secundada por sua mãe.
A surpresa foi de tal ordem que dona Deolinda não sabia o que dizer ou fazer, por isso chorava.
Renata gritara os nomes dos seus amigos de escola e correra para eles abraçando-os. Tinha perolas nos seus olhos lindos e um sorriso tão doce e cativante que desenhara no rosto de cada um, um cacho de imensos sorrisos e emoções.
Entraram na salinha onde havia um grande aparador bichado na idade, uma mesa retangular com quatro bancos longos. Junto da única janela um sofá azul coberto com uma colcha rendada e uma pequena lareira de pedra tosca enegrecida pelo tempo e adornada com um pequeno pinheiro com enfeites feitos pela Renata, em volta do qual foram colocados os presentes.
Na cozinha espaçosa uma bancada de pedra clara um fogão de ferro a lenha e uma lareira de pedra granítica, onde se inflamavam labaredas quentes e tições de carvão ardentes.
Em seu redor dispunham-se os utensílios necessários, bem limpos.
O chão de granito puído estava limpo e lavado e numa pequena caixa forrada, um gatinho todo cinzento olhava para eles com os seus olhitos arroxeados.
O aparador estava repleto de iguarias natalícias para a sobremesa.
Na toalha de tons de verde dispunham-se os lugares dos mais velhos, já a pequenada sentada no chão com pratos nas pernas, iam comendo a ceia de Natal.
Polvo cozido comprado no mercado de Matosinhos pelo pai de Luís, batatas e verduras da aldeia e ovos de Dona Deolinda, enchiam os pratos. Seguiu-se uma sobremesa de rabanadas com mel, filhoses, e um bolo de chocolate.
A conversa atordoava o silêncio que quase sempre imperara nessa casa, mas era do grupinho dos mais novos que o ruído crescia entre gargalhadas e as habilidades apalhaçadas de Pedro e a voz de Serafim trauteando "um Bom Natal para todos".
Por fim a meia-noite badalou no sino da aldeia; era a vez de Renata abrir as suas prendas.
A voz não conseguia conter a sua alegria e beijava as faces rubras de cada um dos seus amigos, agradecendo-lhes e desejando tudo de bom para eles.
Com a batida da uma da manhã foi a debandada seguindo cada um para as respetivas lares, mas antes iam assistir á missa do galo.
Deitado no seu leito quente, Luís revivia passo a passo os momentos que vivera, mas o seu coração estava cheio da plenitude do que tinham feito e adormecera no seu sorriso, com o sorriso de Renata encostado ao seu.
Este fora a melhor prenda de Natal que recebera, a Alegria e o Amor que vivera.


Jorge d'Alte


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