sexta-feira, 23 de outubro de 2015











Sentiu então uma brisa fluir da areia quente
Ouviu a água gorgolejar mais abaixo quando pousou a mochila no chão
Olhou para cima enquadrado entre as estrelas parcas
Como pontas luminosas de armas apontadas para ele
Estendeu a mão perdida como se agarrasse as sombras escorridas da esperança
Um meteoro incendido riscou no horizonte como premonição
Pedras tumulares errantes luminosas a fazerem coalhar o medo no sangue
Sentiu o arrepio e pensou – quanta areia cabe numa mão?
Tudo se esvai como areia pelos dedos da vida
Engoliu com a garganta seca. Sentiu a areia raspar-lhe doce a mão do desespero
Sondou a escuridão mais distante com os seus sentidos tentando
Aves? Uma queda de areia! Criaturas no meio dela mas não Tu
A luz das estrelas afastava apenas o suficiente da noite bela
Cada sombra era uma ameaça. Manchas de negrume que amordaçava    
Uma lembrança cega -pensou! Sons como alcateias de gritos na alma
 A minha dor é mais pesada do que as areias dos mares
Por isso aqui estou no momento só sofrendo a agonia como Deus sofreu
Este mundo esvaziou-me de tudo – a vida de amanhã
Sentiu a areia prender-lhe os pés como correntes chocalhando quando descia
O cadafalso!
Olhou para o norte por cima das rochas desbotadas de sombrios
A longa vergastada veio com o frio trepando pelas pernas cheias de água
A mochila escorregou de periclitante equilíbrio rolando para ele como para o agarrar
Mas a voz de sempre não veio encher-lhe as veias de seiva ardente
Nem os ouvidos de sussurros mordentes ou olhares de cios
Deixou palavras desenhadas trémulas no papel amarrotado como lágrimas de dor aberta
Deu um passo longo sem areia nem choros de estrelas nem cânticos de sereias
A noite cega afogava-lhe as lágrimas salgadas devastadas,
Como a água que o empurrava para areia a cada vaga; gemia e cantava        
Tentando demovê-lo da fúria amarga que o consumia 
Desespero como chama negra e opaca trespassando-o como espada sem se ver
Enlouquecendo-o
Ouviu o silvo por cima quebrando na onda como canção de rouxinol em voz amada – sonho? Delirio?
Sorriu conformado a água que o afogava em cores tétricas cheias de morte
A voz amada que em desespero o chamava rasgando trevas e banho de luar
Chegara atrasada - soou como borbulhar de ar que lhe comia os pulmões
O sorriso deslizou na sua face dorida apagando-se – Tudo poderia ter sido mas não foi
Por isso morria no eco que o gritava perdidamente no alto da crista
Enquanto o mundo que fora se estilhaçava e o absorvia
Comendo-lhe o sonho e o sorriso.


Jorge d’Alte

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