sábado, 20 de março de 2021

A FUGA

 


A fonte soltava gotas como se fossem palavras
Cochichava galante com os seixos roliços
O ouvido escutava-as como intrometido
A mente redemoinhou absorvendo a frescura.
Mas para além destes sons pruridos havia olhares
Havia olhares esconsos e o meu também
No granito musgoso pensativa e abstrata
Ela tecia caracoizinhos com dedos frágeis
Que lhe desciam sedosos até aos ombros bronzeados.
O coração pulou-me quando embebida sorriu
Algo a atraiu fazendo içar-se no seu corpo de deusa.
As mãos acenaram frementes não para o horizonte
Os passos confundiram-se no restolhar dos trigos
As lágrimas comichavam nos cantos dos olhos
O vazio sugou-me as palavras que não saíram
Os olhos velados já não a queriam ver.
Abraçados junto á fonte cochichavam outra música
Quando os lábios se tocaram num outro "ele"
A raiva atingiu-me com despudor de perdido
A desilusão tinha também essa cor enegrecida
Afinal Ela tinha Ele e não Eu
Então no meu desvario, fugi!


Jorge d'Alte









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