sexta-feira, 19 de março de 2021

PALHAÇO

 A luz acende-se no camarim

A sombra agiganta-se e entra devagar

olha em seu redor num vago rodar

caindo fica sentado olhando o espelho

Quem será que olha assim?

apenas a visão roída e transformada num velho?

Estende a mão trémula e lenta

pegando na maquilhagem

e com coragem enfrenta

essa dolorosa miragem

Com seguros dedos vai-se transformando

Agora a alma cresce em auto estima

já não é sombra divagando

é figura que rima

é apenas Palhaço!

A dor que o atinge dói como inchaço

a noticia fora dita sem teatro

"o fim desta vida está perto"

Aprumado em coragem, de cabeça erguida

ruma em passos ritmados para o anfiteatro

Se calhar o relógio da vida precisa de acerto

mas já não há tempo para segurar a vida

Ao som da ruidosa musica no palco entra

seu coração chora seu rosto sorri

Os risos do publico enfrenta

Sua alma se esmaga nos seus lábios de rubi

e a cena lá vai no meio das gargalhadas

O publico bate palmas, quer mais e mais

e as lágrimas agora são de sangue

a dor corrói em tristezas tais

e os sentimentos estão tão esfrangalhados

que deixam o seu rosto exangue

Agora é o ultimo passo

a gente está atenta

e a derradeira canção entra

notas e notas, ritmos e compasso

O publico acompanha-o em ritmados batimentos

Agora de joelhos a sua voz etoa

e mesmo que lhe doa

esquece os sentimentos

As luzes baixam na ultima nota

As palmas entram pelo coração dentro

è a ovação de uma vida inteira

Só mais uma nota

pede o publico lá dentro

e mesmo que não queira

faz das tripas coração

e de novo entoa a ultima canção…

Cai o pano em silencio friorento

as luzes apagam-se no proscénio

Agora já não há risos nem alento

o ultimo arfar vem buscar

entra na alma, como sombra devagar

e com doce tocar leva seu génio.



Jorge d'Alte


 

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