sábado, 18 de maio de 2024

A VIDA DE CEM ANOS

Corcovada lá ia
calçada acima no suor
levando á cabeça nua
um molho de carqueja seca.
A sacola nos ombros pendia
legumes lá iam juntos com a dor 
nas mãos calejadas o cajado e uma perua
mais acima no alto do morro careca
havia a sua casa a sua catedral.
Ali estava junto a Deus
e nas estrelas de memórias estavam saudades
amores que se quebravam no tempo e no bafio
Ansiava por chegar ao seu cantinho de branco cal
ali estavam as fotos dos netinhos seus
havia recordações esvaziadas nas idades
havia nas velas a Senhora e o seu templo, o lio
fugaz imagem que lhe molhou os olhos de sal.
Os filhos idos
Partiram um a um
As terras estranhas
e o vazio.
Hoje jantaria com o seu homem no olhar
Jazia na cama entre os linhos
Amanhã viriam os ateus um a um
E com mãos fortes arrancá-lo-iam como entranhas
deixando-a sofredora esvaida cem anos depois como um rio.


Jorge d'Alte

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