terça-feira, 14 de julho de 2020

TARDE DE MAIS



Sentiu então uma brisa fluir da areia quente

Ouviu a água gorgolejar mais abaixo quando pousou a mochila no chão

Olhou para cima enquadrado entre as estrelas parcas

Como pontas luminosas de armas apontadas para ele

Estendeu a mão perdida como se agarrasse as sombras escorridas da esperança

Um meteoro incendido riscou no horizonte como aviso

Pedras tumulares errantes luminosas a fazerem coalhar o sangue

Sentiu o arrepio e pensou – quanta areia cabe numa mão?

Tudo se esvai como areia pelos dedos da vida

Engoliu com a garganta seca. Sentiu a areia raspar-lhe doce a mão

Sondou a escuridão mais distante com os seus sentidos

Aves? Uma queda de areia! Criaturas no meio dela mas não Tu

A luz das estrelas afastava apenas o suficiente da noite bela

Cada sombra era uma ameaça. Manchas de negrume que amordaçava

Uma lembrança cega -pensou! Sons como alcateias de gritos na alma

 A minha dor é mais pesada do que as areias dos mares

Por isso aqui estou no momento só sofrendo a agonia como Deus sofreu

Este mundo esvaziou-me de tudo – a vida de amanhã

Sentiu a areia prender-lhe os pés como correntes chocalhando quando descia

O cadafalso! Olhou para o norte por cima das rochas desbotadas de sombrios

A longa vergastada veio com o frio trepando pelas pernas cheias de água

A mochila escorregou de periclitante equilíbrio rolando para ele como para o agarrar

Mas a voz de sempre não veio encher-lhe as veias de seiva ardente

Nem os ouvidos de sussurros mordentes e olhares de cios

Deixou palavras desenhadas trémulas no papel amarrotado como lágrimas de dor aberta

Deu um passo longo sem areia nem choros de estrelas nem cânticos de sereias

A noite cega afogava-lhe as lágrimas salgadas devastadas,

Como a água que o empurrava para areia em cada vaga; gemia e cantava

Tentando demovê-lo da fúria amarga que o consumia  

Desespero como chama negra e opaca trespassando-o como espada consagrada

Ouviu o silvo por cima quebrando na onda como canção de rouxinol em voz amada

Sorriu conformado a água que o afogava em cores tétricas cheias de morte

A voz amada que em desespero o chamava rasgando trevas e banho de luar

Chegara atrasada - soou como borbulhar de ar que lhe comia os pulmões

O sorriso deslizou na sua face dorida apagando-se – Tudo poderia ter sido mas não foi

Por isso morria no eco que o gritava no alto da crista

Enquanto o mundo que fora se estilhaçava e o absorvia.

 

 

Jorge d’Alte


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